fevereiro 27, 2009

"como um fósforo apagado e inútil"

Mergulhada num marasmo profundo, entorpecida e perdida nesta terrinha de nenhures. Assim estou com a minha mágoa por não dar à luz, pela minha chama se ter extinguido.
Tantas vezes te pedi que me levasses, naqueles momentos em que bato fundo e, por momentos, penso atirar a toalha ao chão. E tu realmente levaste-me.
Agora sinto o doce fel de ter acabado, de ser um fósforo apagado, perdida na inexpressão do meu corpo. Sinto saudades das labaredas inspiradas que crepitavam, não me deixando dormir, que me faziam rabiscar incessantemente. Agora não sinto nada além da saudade de arder…
Dona Morte, desde quando fazes o que te peço?
Tenho saudades de quando me doía, de quando ardia…



"Pain, without love
Pain, I can't get enough
Pain, I like rough
'Cause I'd rather feel pain than nothing at all"
(Three Days Grace - "Pain")

Borrega

P.S.- O titulo deste post é a descrição que estava por baixo da imagem quando a achei na net... Achei apropriado...


Sono

Queria que o sono lhe acalmasse a mente, e não que a transbordasse de memórias felizes que agora lhe fazem doer. Queria que ao fechar os olhos estes apenas mostrassem uma cortina preta, e não a cara dele a rir-se para ela verdadeiramente feliz naquele momento. Que o corpo estava cansado já ela tinha entendido, mas era mesmo necessário mostrar desta forma?
Num desafio contra si mesma, deixou-se ficar na mesma posição. Fechando os olhos de vez em quando, para quando os abrisse ser bombardeada de recordações. Desistiu. Finalmente o corpo foi-lhe superior. Com o telemóvel com som esperou que o cansaço demora-se poucos segundos a mergulhá-la naquilo que esperava um sono profundo sem qualquer sonho.
Abriu os olhos… Estava apenas à uma hora a dormir, o que raio lhe podia ter acordado? Não ouvia barulho algum, o quarto estava silencioso. Toda a casa estava. Era estranho ter acordado assim, por si mesma, quando o seu corpo estava tão cansado…
Rebuscou pelo telemóvel em busca de esclarecer a sua ávida dúvida das horas, e aí encontrou a razão do seu despertar. Recebera uma mensagem, uma mensagem que esperara muito mais cedo… Rapidamente, com a habilidade garantida de muitos anos, respondeu. Esperava não mostrar que a tinham acordado. E numa fracção de segundo, relembrou as palavras de alguém, alguém que pintava um quadro de si que ela nunca pintaria. Fazia-la mais colorida, melhor pessoa do que realmente era, mas era alguém tão encantador e tão certo de suas palavras que ela não conseguiu desmentir.
Faziam-na corar quando lhe diziam aquelas coisas à sua frente. Sentia-se como qualquer atitude a partir daí, fizesse a pessoa tê-la em menor consideração.
A resposta chegou quase instantaneamente. Tentou sorrir, era suposto ser uma piada. Tentou responder-lhe no mesmo tom. A resposta que esperava não chegou, revolveu-se na cama, as pálpebras já não lhe pesavam, mas a mente transbordava e fazia uma enchente de boas memórias, memórias que ela queria repetir em breve e sabia que talvez não acontecesse…
E de repente, no fundo preto que tanto esperava, ouviu ‘uma baixa! Temos uma baixa!’. O sono finalmente a abatera, amanhã renasceria.

Pulga

fevereiro 25, 2009

Pensar


Quem me dera poder parar de pensar.
É que o pensamento faz-me sonhar,
Mas também agoniar.

Agonio nas minhas dúvidas e incertezas
E, sobretudo, pelas coisas que penso ter certeza.

Quero parar de pensar,
Quero poder adormecer,
Mas aí a minha mente põe-se a divagar
E a 1001 pensamentos tecer.

Quero parar o pensamento,
No entanto, penso que já não vou a tempo.
Está entranhado em mim.
Nunca vi, quer dizer, pensei sentir algo assim.
Como posso querer parar,
Como posso odiar e repudiar
Algo que sei amar?

Quero matar uma parte de mim,
Não obstante, sei que não o consigo fazer,
Porque sem ela vou definhar até morrer.

Ela atormenta-me,
Deixa-me terrivelmente sóbria e consciente,
Deixa-me doente...

Por pensar, vejo o nosso fim degradante,
Mas também arquitecto uma solução mirabolante.

Na minha cabeça, isto tudo fervilha,
Numa lareira de pensamentos crepitantes
Com labaredas incessantes
E penso que dormir seria uma maravilha.


Borrega

fevereiro 24, 2009

Baloiço



Aquele vai e vem pueril, aquele friozinho no estômago quando se sobe, aquele alívio de voltar ao chão e de novo o friozinho num novo balanço. Estou novamente a andar de baloiço, ando neste vai e vem para passar o tempo, apenas me sentei nele para te esperar.
Balanço e balanço e o baloiço sobe e sobe e sinto que vou tocar o céu e, tal como em pequena, continuo a dar balanço.
Também como em pequena, o meu estômago dá um e outro nó e fico zonza. Travo o meu vai e vem quase espacial e ponho a cabeço entre as pernas, respirando ritmadamente.
Quem estou a tentar enganar? Eu já não sou aquela menina que o avô empurrava nos baloiços e tu não virás ter comigo.
O meu estômago dá uma pontada forte, levanto-me num pulo e acordo do meu sono embalado. O dia ainda não raiou e, tal qual quando adormeci, estou só.


Borrega

fevereiro 23, 2009

Canto

Alerta: Texto demasiado comprido



Lá estava ela, de joelhos ao peito, a cabeça tombada sobre eles, sentada no chão frio do seu quarto, carpindo, por entre soluços exasperados, as dores que guardava para si. As lágrimas, que raramente deixava alguém ver, escorriam-lhe pela cara, como um rio, desaguando-lhe salgadas na boca que parecia cosida com uma translúcida linha de orgulho deveras resistente. Por mais que quisesse contar, explicar ou pedir ajuda os orgulhosos pontos que lhe alinhavavam os doces lábios imaturos lembravam-lhe que tinha de seguir sozinha.
Era assim que estava, sozinha, somente ela, vergada sobre si, contra um canto escuro do quarto difusamente iluminado por uns poucos e afoitos raios de sol que tinham conseguido passar as portadas cerradas da janela.
Ergueu um pouco a cabeça e estancou as nascentes, pois tinha a face desconfortavelmente inundada naquelas tépidas gotas salobras. Inspirou profundamente e soltou um suspiro trémulo, amargo, longo e cansado. Esperou que os seus olhos se habituassem à acanhada iluminação e observou a divisão. Sentiu então os músculos da sua face, ainda dormentes pelo pranto que os alagara, mexerem-se, deixando na sua boca um esgar ironicamente sorridente pelo padrão que os afoitos raios desenhavam no chão... À sua frente estendia-se agora uma passadeira cujo único peão era ela mesma. As riscas brancas, a princípio quase coladas, tornavam-se cada vez mais apartadas pelas esmagadoras faixas negras. Escarneceu num sorriso tão desigual do seu que se assustou. Conteve então, com uma força tremenda, o choro que de novo ameaçava irromper impiedosamente.
A sua vida era cada vez mais assim, os momentos felizes assombrados pelas trevas dos problemas, os risos de genuína e jovial felicidade eram constantemente substituídos por momentos como aquele, os dias de pacífica calmaria escasseavam e a vontade de sucumbir ao caminho mais fácil era grande. Porque simplesmente não morria? Fechou os olhos e recostou a cabeça contra a parede gélida.
Aquele local é-lhe tremendamente familiar. No chão jaz alguém cuja vontade foi suplantada pelo medo. Alguém que vergou sobre si, pois o peso do desespero foi demasiado. Aquela rapariga, de quem sente uma repulsa inexplicável, é um farrapo tisnado numa divisão seminua como ela mesma está. Jaz banhada no tom escarlate, que antes lhe pulsava nas veias. A mão, ainda trémula, segura o punho reluzente duma adaga, agora manchada do sangue que nunca desejou.
O peito late-lhe desenfreadamente, sente-lhe a dor, cheira-lhe o medo, vê-lhe os espíritos vis que lhe turvam a mente. Há uma figura negra que se aproxima da pobre rapariga que se mantém imóvel, mas ela sente um calafrio atroz. A rapariga ergue-se sobre os joelhos, lança um olhar ao aposento e os seus olhos cruzam-se...
O latido desenfreado cessa e ela cai também sobre os joelhos. A rapariga é ela! E quando a mão da rapariga, a mão dela, toca na figura enlutada sente um frio descomunal, cortante, excruciante rasgar-lhe o âmago e, no segundo seguinte, cai num abismo.
Dói-lhe a cabeça, render-se ao sono custara-lhe, não só a agonia daquele estúpido pesadelo, como ter batido com a cabeça no chão. Volta a reclinar-se contra a parede, sabia que nunca vergaria àquela tacanha tentação. Nunca escolheria o caminho mais fácil!
Levanta-se e abre a janela, lá fora o sol caminha para o poente, mas naquele quarto a luz acaba de despontar, como o canto da Fénix que erguendo-se exuberante e decidida das cinzas está pronta para mais uma jornada.


Borrega



P.S.- este texto é, a modos de que, o meu "calcanhar de Aquiles". É hoje publicado aqui depois da segunda reedição que lhe fiz depois do original. Deêm opiniões... Obrigado

fevereiro 22, 2009

Colo

Ontem pegaram-me ao colo. Ergueram-me do chão e girámos e girámos…
As pessoas em nosso redor deverão ter pensado: ‘Ena que saudades!’ ou até ‘Que bebedeira!’. Mas como eu gosto que me peguem ao colo! Sentir por uma fracção de segundo que estou a flutuar, sentir por apenas não mais que um segundo que o meu bem-estar depende das duas mãos que me erguem, tudo isto antes de entrelaçar as pernas no seu tronco, e aí, com as pernas entrelaçadas, entre risos e giros, sinto-me segura, como quando era pequena e trepava pelas pernas do meu pai e onde nada me podia magoar. E junto daquele tronco e daquelas mãos o meu mundo é perfeito.
E depois acaba aquele efémero momento, a insegurança abate-se sobre os meus ombros, e a dor dum mundo imperfeito regressa em força aonde pertence. Continuo a sorrir, afinal a dor que desde pequena que lido com ela. Não se tornou mais fraca, apenas mais fácil de suportar, mas no fim de contas, ontem pegaram-me ao colo…




Pulga

fevereiro 21, 2009

Ego

E perante a plateia, no exterior solarengo, o professor expunha a sua matéria. A sombra dele deambulava, errante, diante dos jovens, contentes por estarem no exterior, ao som das folhas embaladas pelo vento. Esta é a aula de Antropossociologia.
Hoje vesti-me normalmente, vou ter com a minha irmã à cidade, ver as fotos de um dia que me foi especial, em que me diverti muito: a minha latada (um dos benefícios da praxe, de uma boa praxe). Estou a agir de uma forma algo extravagante para o que me é habitual, já repeti umas quantas vezes que tenho o ego nos píncaros. Devia, mas não tenho! Digo-o porque eles estão felizes e não quero ser a maçã podre no cesto, digo-o porque devia tê-lo mesmo lá, nos píncaros, digo-o para enterrar as lágrimas da noite passada.
O sol vai aquecendo o meu corpo que ontem chorava, vou pensando uma vez mais porque choro quando tudo me sorri. Tudo isto ao som do burburinho dos meus colegas e do murmurar da aula discursada pelo professor, que dança à minha frente com a sua sombra. As folhas caem, uma a uma, em debandada, das copas amarelas e avermelhadas das árvores, para rolar no chão.
Estou aqui de alma e coração, então porque me parece que, agora que mais preciso, a minha capacidade de abnegação e sacrifício diminuiu?
Não vou voltar às perguntas do meu registo anterior, não quero. A minha parte racional berra, esguela-se, tentando que eu entenda que estou feliz! Ela está um pouco ressentida comigo, porque agora já não exijo que ela domine as minhas acções. Acho que quando o fazia chorava menos, contudo recalcava mais, tranquei coisas demais dentro de mim. Agora ando sensível demais para o gosto dela. Não amoleci, não sou mais fraca do que antes. A resposta é óbvia, continuo com o mesmo medo de desiludir quem gosto, com a mesma pretensão estúpida a ser a “super-mulher”, só que agora gosto de mais pessoas, e gosto a sério. E lá está outra vez o meu extremismo! Dou tudo ou não dou nada, essa sou eu.
Continuo ao sol, eles continuam o burburinho, ele o murmúrio e eu acabo o meu desabafo. Hei-de caminhar decidida até à minha irmã, a minha irmã do peito, para a vida, e vou sorrir.
E sim, hoje o meu ego está nos píncaros!

Borrega
P.S.- O "registo anterior" mencionado no 5º parágrafo refere-se ao texto "Interrogações numa folha", o qual já está publicado.

fevereiro 20, 2009

Revolutionary Road

"Enquanto crianças nós escutamos, sonhamos e guardamos pensamentos incompletos que, quando mais tarde queremos recordar, já nos achamos prosaicos e murchos sob o efeito do veneno da vida" - H.P.Lovecraft

Um dia acordas e já tens trinta, uma casa, casaste, tens filhos com a pessoa que amavas. Essa pessoa que amavas mudou com os anos, já não é a mesma que te fazia sonhar, como não previste essa mudança, como nem deste por ela, já não a amas.

Um dia acordas, olhas para trás e percebes que para além da casa, dos filhos e dessa pessoa, não tens nada, não fizeste realmente nada. Porque não era essa a casa que querias, não era casar que pretendias... Querias mudar o mundo, mas no final foram as normas socias que te mudaram e agora brincas às casinhas.

Um dia acordas e percebes tudo isso e já não consegues mudar o que se passou. Percebes que nunca se deve abrir mão do que se acredita, ainda que acredites em algo utópico, porque não há nenhuma norma social que te diga que tens que deixar para trás os sonhos de criança para cresceres.

Um dia acordas com força suficiente e voltas atrás...

Nesse dia, se não for tarde demais, voltas a sentir-te alguém completo.

Borrega

Florbela Espanca - Eu



"Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida...


Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...


Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!"


Mal vi esta imagem foi do que me lembrei. Florbela Espanca, dor em forma de mulher, minha droga nos momentos tristes, pois de todos os caminhos que escolho cada um me magoa mais que o anterior.
Conclusão: há quem não saiba ser feliz!

Borrega

fevereiro 19, 2009

Não gosto de loiros...

É verdade, eu não gosto de loiros, muito mens de loiros de olhos azuis. Não faz "click", que culpa tenho eu?!? Mas, a verdade é que muito mais depressa se contam os loiros da minha vida que os morenos.
Este "Meias Desemparelhadas" é a paga duma dívida que tenho para com a minha s'amesa e colega de blog: A lista dos loiros da minha vida!
(Volto a relembrar que não gosto de loiros!)

1 - Kurt Cobain (Nirvana)
2 - Yuu Matsuura (Marmalade Boy)
3 - Martin (o meu cão, que já faleceu)
4 - Pereira (47)
5 - Sô Bruno (grande motorista!)
6 - Uzumaki Naruto
7 - Parvalhão
8 - Songoku (quando esta em super guerreiro xD)

Acho que não falta ninguém... Ahh, sim:
9 - PadrinhÓ (o Nuno é meio aloirado)

Já vos disse que não gosto de loiros?!?



Borrega

pequena marca...


Trinta dias e um punhado de post's depois, este bebé, fruto de um parto não muito complicado, mas muito longo com certeza (planeado desde o 12º, certo Pulga?), faz 1 mês...

Parabéns ao nosso Zoo!!!!

Sim, este tipo de coisas de celebrar datas é extremamente feminino e quase atípico em mim, mas que se há-de fazer, no fim de contas, por muito que fuja, sou uma mulher. Por isso, resolvi ceder ao instinto feminino e um pouco parolo, diga-se de passagem, de fazer este post!!!!

Obrigado a todos os que já nos visitaram, a todos os que comentaram...


Borrega
P.S.- a Pulga só não está a fazer este post comigo porque está em Tribunal de Praxe...
Parabéns pa ti também Caloira Fantástica...
Acho que escrevo bem quando digo que este post também é teu, afinal somos uma...
P.S.2- Bem vistas as coisas não andamos a respeitar a parte do "não se esperam post's de todo", paciência! =P

fevereiro 18, 2009

carta a Alguém



Estou sentada numa mesa de piquenique, no quintal de minha casa. Estou, ou melhor, estava a estudar antes de começar a escrever. Os cães deambulam livres à minha frente e estou a ouvir uma música que sei que não gostas. Mesmo assim, só consigo pensar naquele caminho de meia hora que fizemos vezes sem conta, há mais de um ano e meio atrás.
Caminhava ao teu lado, debaixo do sol escaldante, as nossas mãos balançavam ao lado do corpo e a minha sentiu uma vontade inexplicável de agarrar a tua...
A palma da minha mão formiga com esta recordação, arrepia-se com a saudade dos teus dedos dedilhando-a, enquanto, de olhos fechados, te imaginavas a tocar.
A tua mão está bem longe e mesmo assim consigo sentir a mesma vontade inexplicável de a agarrar, uma vontade tão grande que chega a doer.
Saudades daquele caminho de meia hora...

Borrega

Noite(s)


Estou só, os olhos vagam pelas memórias. Parám nele e nela.
Ele e ela, os dois deitados, os corpos perfeitamente encaixados, ela tão pequena perto dele, protegida pelo seu gigante abraço. Uma concha perfeita.
Ele, mesmo num sono sereno e pesado, aquecia-a, sempre friorenta, naquele protector abraço, naquela cama de tantas outras noites.
Ela está agitada, vejo-lhe nos olhos que algo a incomoda. Ela sonha e no sonho dela há um piano gemendo uma sinfonia perfeita, tocado por doloridos dedos. Esse sonho, é ele que a atormenta, que a está a por agitada. Por muito perfeita que a sinfonia seja, transmite a dor daqueles dedos doloridos, que são, de alguma forma, os dela. É isso que a está a por agitada.
Em resposta a este burburinho interior, o seu corpo encolhe-se e contrai-se contra o dele, procurando ainda mais refúgio nos braços dele.
E a sinfonia abrandou e ela finalmente serenou naqueles braços quentes.
Os meus braços apertaram-se contra o peito, tentativa frustrada de aplacar um arrepio desconcertante. É um movimento vão, sou quase como os répteis, incapaz de regular a minha temperatura sozinha.
De novo o arrepio e a imagem dele e dela, naquela cama, dos braços dele, de todo o seu corpo aquecendo o dela.
Tenho saudades dele e dela, nós, abraçados na cama.


Borrega

fevereiro 16, 2009

Realidade ficcionada

Começou-lhe a contar a história.
Convenceram-me com um sorriso. Fui com ele, parecia-me alguém familiar, alguém de confiança.
Assim que estive mais perto, ele começou-se a aproximar com um excesso de confiança, que eu desconhecia, ninguém tinha essa confiança para comigo. Eu não deixava.
’ Interrompeu-se para lhe olhar nos olhos como o que se seguisse fosse o que realmente importava. ‘Começou por pôr as mãos na minha perna. E começou a aproximar-se de sítios mais íntimos. As mãos subiam-me pela barriga. Aproximaram-se do peito. Mantive o sangue frio, a cabeça fresca e consegui afastá-lo. Preguei-lhe uma mentira e saí do carro. Porque é que não dei ouvidos quando me disseram que não devia aceitar boleia de estranhos? Ele ia-me atacar e eu não iria conseguir-me defender.’
És um pouco dada ao drama, não?’ comentou ele
Ela apenas sorriu. As marcas não se viam, ela apenas sentia. Aquilo era tão irreal, que ele não conseguia crer que era o mundo em que vivia. Afinal aquilo não acontecia a eles, acontecia aos outros, não a eles. Então apenas fixaram aquele triste sorriso.

Pulga

Oca


Inspiração.
Há muito tempo que já não sei o que isso é!
A minha inspiração não sei o que é, mas sei que há muito que não corre nas minhas veias, que há muito que não me as queima e me deixa em dor.
Tenho saudades daquela ansia, daquela fluidez de escrita, ainda que sem grande nexo.
Agora não sinto dor. Não sinto quase nada, não escrevo.
Mais uma vez, a dor. Lembro-me daquela vez, deitada no escuro, ainda tinha 17, doia tanto, tanto, mas quando acabou, o alívio, a leveza, o cansaço e a satisfação de a ter sentido, à inspiração.
Sinto-me oca.
Preferia quando doía, como me doeu naquela noite.
Já não me dói há muito.
Sinto tanta coisa e não te sinto a ti, a queimar nas veias, para me dizer que não morri...




Alguém ou alguma coisa, o que quer que seja, que me abra a torneira e acabe com isto, por favor!





Borrega



fevereiro 15, 2009

Feliz Homicídio


Tentaste enganar-me
Marcaste-me como inocente
Tramei-te na morte
Foi um incidente

Estavas à beira-rio
Queixei-me com frio
Correste para me abraçar
Pensei que me viesses esganar

Lixei-te meu amor
Atirei para acertar
Tinha de te bater na testa
Quase que fiz uma festa

Agora estás estendido
Algures, ao comprido
Falaste em fazer
Eu agi sem querer

Deixa-te estar, que eu estou bem
Um dia novo aí vem
Quando me levantar
Da memória te vou tirar

Foste tempo perdido
Amor não correspondido
Gerigonça atrapalhada
Horror às carradas!


Pulga

Grãos de areia





Nós não somos nada, não nos adianta fugir ou esconder, pois o destino é como uma grande ampulheta e nós apenas grãos de areia, inevitavelmente condenados a cair para o outro lado.


"Tal como Hamlet escolho entre a vida e a morte."

Kurt Cobain




Borrega

fevereiro 14, 2009

Pipocas e Pecados

Pensei a ir a um confessionário. A santa terrinha faz-me pecar, cometer crimes. Mas eu adoro estes crimes!! Matei, cobicei… tanta coisa que hoje fiz! E o melhor de tudo, tinha ela e ela ao meu lado para me apoiarem, para me cobrirem a cabeça quando fosse apanhada, não porque o meu rosto seria de vergonha ou arrependimento, não, no meu rosto apenas se veria, um enorme sorriso. Elas iriam sérias, sempre ao meu lado, até que chegássemos ao final da linha, aí desabariam como eu numa teia de risos. Cada uma riria mais alto que a outra, depois cessavam os risos e começavam os cochichos. As mais recentes fofocas, as histórias mais escandalosas. Tudo o que mais de recente nos tinha ocorrido.
Hoje matei muitas saudades. Meses se passaram desde a ultima vez que estivemos assim, e já quase não me lembro, mas hoje matei.
Cobicei as pipocas no colo dela. Cobicei a coca-cola. Cobicei apenas por cobiçar. E soube-me bem. Estava viva.
Ri-me como não me ria à muito. Ri-me como louca. Ri-me simplesmente por me rir. Ri-me e não precisaram de me cobrir ou encobrir. Hoje juntei pipocas e pecados, hoje não foi um dia a que sobrevivi, mas sim que vivi. Mas hoje não estávamos completas, não éramos o trio maravilha, nem o quinteto fantástico… Por isso, anseio quase ansiosamente pelo próximo pecado açucarado.

Pulga

fevereiro 13, 2009

Interrogações numa folha

É cor-de-rosa o edifício para onde me dirijo a maioria dos dias da semana.
Ando cansada e, às vezes, no meio de tanta gente, sinto-me só.
Mas, já antes não era assim que me sentia? Tento explicar a minha inexplicável tristeza e abatimento. Não consigo, os sucessivos “Estás bem?” e “O que foi?” frustram-me. Preocupam-se comigo e eu não mereço e eu não quero que o façam.
No edifício cor-de-rosa, as capas negras deambulam pelos corredores amarelos, todas me integram, no entanto há umas quantas que começo a gostar de uma maneira muito enraizada... É isso que quero, reforçar as raízes nesta terra.
Então porque estou triste e finjo que não estou?
Então porque deambulo cabisbaixa pela cidade que me sorri?
Então porque sou tonta ao ponto de escrever perguntas sem resposta numa folha?
Talvez a resposta seja simples. Talvez, ao contrário do que as pessoas afirmam, eu esteja certa, eu ando assim porque não sei e não mereço ser feliz...

Borrega

fevereiro 11, 2009

Azul vs. Negro

Alerta: Texto demasiado comprido

Ouço, ao longe, o som do chuveiro, a água a correr, o vapor desta, quase fervente, rodeia e envolve o meu corpo desnudo, que está há muito esquecido debaixo dela. Aterro... Volto a ouvir e a ver tudo nítido, a minha alma retorna também, e, com um suspiro, percebo que por mais tempo que ali esteja debaixo, por mais quente que a água esteja, ela não me vai conseguir lavar a mágoa que me mancha o peito ou a amargura que me azeda a vida.
Lembro-me dele... Dá-me um calafrio... Fecho a torneira, espremo o cabelo, seco-me e penteio-me. Já no quarto, visto o meu pijama e, com o incenso já queimando, deito-me na minha cama. As imagens passam como um flash na minha cabeça. Sei que vou ter saudades do toque e do timbre grave da sua voz, de como me sinto com ele por perto, de como me perco no azul calmo e terno dos seus olhos. Abro os olhos por um instante e com eles busco a garrafa de água. Por sorte está ao meu alcance, porque estou tão mole e pachorrenta que, e apesar de estar sequiosa por um gole de água, não me levantaria para ir buscá-la. Pego-lhe, bebo e volto ao meu transe meditacional.
Volto a todas aquelas imagens, pedaços dos momentos que tive e que me deixam a face carmim e o peito rubro. Mas, do nada, surge um fundo negro e nele se desenha, letra a letra, a palavra: Efemeridade. Aproximo-me dele a passos largos, que ecoam pelo corredor mental de imagens onde estou, e reconheço-o então como sendo um quadro de ardósia.
Ele mostra, apesar da sua simplicidade, muitas coisas sobre mim. O mundo, há muito que o descobri, não é um conto de fadas e muito menos cor de rosa. Ele é preto e branco, tal qual a palavra alva no sombrio quadro de ardósia. Aquela alva palavra que tanto me atemoriza e me atormenta os pensamentos. Tudo é efémero, a felicidade, a tristeza, a saúde, a inspiração, as pessoas. O pior é quando estas pessoas são as que amamos, aquelas que temos como certas até à eternidade e que são o nosso amparo para não sucumbirmos às tentações cobardes dos momentos taciturnos e perniciosos.
Naquele quadro negro está reflectido o medo que tenho de ficar só, de acabar tão azeda como um limão verde, de não ter coragem suficiente para amar e me entregar de corpo e alma a alguém e sobretudo o medo que tenho dela, da mulher de negro. Não quero que ela me leve quem amo, nem que me leve antes de eu ter quebrado os meus medos e vivido realmente.
“Tudo é efémero e se há-de findar mais tarde ou mais cedo.” – diz uma tenebrosa e pútrida voz. Sem mais nem menos, vejo brotar da ardósia um vulto negro que estende a sua mão em direcção a mim, enquanto repete arrastadamente e sem parar aquela frase. Começo a correr de novo pelo corredor, desta vez, para além dos meus passos, ecoa também o som de correntes a arrastar. Olho sobre o ombro, ela aproxima-se, é ágil, veloz e tão ligeira. Como o conseguirá com todas aquelas correntes? Não é altura para curiosidades, penso, está quase a apoderar-se de mim... Tropeço, caio... Ela está em cima de mim... Sinto-me desvanecer, ela quer tirar-me a alma. Não o posso permitir, começo a espernear incessantemente, atingindo--a de todas as formas que posso, mas parece não a magoar nem um pouco.
Abro os olhos de rompante, ela já não está debruçada sobre mim. Está escuro e estou suada e trémula, mas a salvo no meu quarto. Palpo a mesa-de-cabeceira procurando pelo telemóvel. Finalmente acende-se a pequena luz do visor, são 5 da manhã. Respiro fundo e recomponho-me, tudo não passou de um pesadelo, de um devaneio da minha alma inquieta. Vou à casa de banho lavo a cara e bebo um pouco de água. Regresso ao meu leito, o incenso há muito que se consumiu mas o seu cheiro apaziguador continua a impregnar o quarto. Aconchego-me, sei que agora será difícil adormecer outra vez. Embora as minhas pálpebras estejam deveras cansadas tenho medo de voltar a fechar os olhos. Mas acabo por ceder ao seu gritante e sôfrego apelo, fechando-as. Revejo aqueles olhos doces, tão azuis. Faltam apenas algumas horas para os voltar a ver... E é aninhando-me neles que enfim me deixo dormir.


Borrega

A Preto e Branco



Ao passar por ali, sentou-se. Era um local pouco familiar, mas as memórias que dali tinham valiam como se conhecesse o lugar. Deixou-se levar pela brisa que lhe agitava ao de leve os cabelos e voou para longe dali. Ainda lhe doía quando pensava nele. E era nele que agora estava a pensar. O vento tornou-se um pouco mais forte, e as lágrimas não hesitaram em cair.
O mundo a preto e branco era tudo o que ela desejava cada vez que pensava nele. Não existir um dos dias. Começava sempre a pensar pelo último, como não lhe doera na altura, como sorrira de forma pura. Num mundo a preto e branco, nunca lhe doeria, melhor, nunca teria confraternizado sequer, com ele.
Depois passava para o primeiro dia, como estava feliz. Como estava impulsiva. Como sorria da mais natural forma de sorrir. Num mundo a preto e branco, esse dia não teria acabado aí. Ela teria tido o seu ‘feliz para sempre’ ao lado dele.
E as lágrimas escorriam de forma mais contínua. Era mesmo isso que ela queria? Um mundo a preto em branco, em que tudo fosse tão simples? Em que o tudo fosse ou não fosse? E o que seria feito dela? Desapareceria, simplesmente? Não, ela não queria desaparecer. Mesmo sendo e não sendo preferia ser uma mancha cinzenta no meio de tantas outras, com um pequeno borrão que alastrava quando ela pensava nele.
Ergueu-se, secou as lágrimas com a manga do casaco e seguiu o seu caminho. Estava atrasada para o seu encontro com a escolha colorida que fizera.

"It's him wanting things to be purely black and white. I mean, I missed my sons first halloween and my heart is aching inside of my chest but you know, that doesn't mean anything. It doesn't count. Because in a black and white world, I simply didn't make it home and that makes me the bad guy."
(Dra Bailey, Grey's Anatomy, Episode 5, Season 4)
Pulga

fevereiro 10, 2009

Sentir falta de ser naive...


Era uma vez, há muito tempo um jovem frasco de açúcar. Um frasco cheio de um açúcar puro, alvo como a neve. De cada vez que abriam o frasco, o pobre e alvo açúcar via-se invadido por pó, impurezas que desconhecia.

Um dia, sem mais nem menos, o frasco quebrou e começou a verter todo o doce e alvo granulado branco. À medida que este se esvaía, o jovem frasco via-se povoado por cada vez mais pó.

Houve um dia em que alguém percebeu que o frasco tinha quebrado. Esse alguém pegou em cola, tentou consertar o jovem frasco e voltou a enchê-lo com o mais doce dos açúcares.

As cicatrizes ainda doiam ao pequeno frasco, mas esse alguém continuou a acreditar que ele valia a pena.



Borrega

divagando por citações...

"«Indian, indian, what did you die for?»
And indian say: «Nothing at all!»"
Jim Morrison

É assim que estou, sem saber porque morrer e já dizia Luther King: "If a man hasn't discovered something that he will die for, he isn't fit to live." .
Nada me inspira, nada me motiva, sinto que a cada momento perco a força bruta que antes sentia cá dentro. Até sangrar servia, desde que eu acordasse deste marasmo criativo, desta não vontade.
Onde está a rapariga que lutava com unhas e dentes pelo que queria? É que já não é ela que vejo no reflexo do espelho. Onde é que a perdi? Deve ter sido quando me acomodei, lutar dói demais. Agora sei que mais valia sentir aquela dor, assim sabia que estava viva, acho que até sabia pelo que morria.

"I'm a man in search of a vision." (Antonio Banderas, in "A máscara de Zorro")
Apetecia-me ver outra vez.

Borrega

Vila Real

À janela, ela contempla e despede-se dos prédios circundantes, da rua que tão bem conhece, até daquela terra, a que agora chama casa.
É cedo, mas o nevoeiro é já apenas um vestígio, está certa que o sol vai brilhar no céu.
De olhos vagos, na mão segura uma camomila quente, o seu vapor turva-lhe o rosto. Leva-a à boca e dá-lhe um trago. Não gosta de despedidas, e muito menos quando se trata de se despedir do 3ºD no lote 8 da Rua de Macau. É que, apesar de não saber se tem esse direito, desde o verão passado, chama-o também de seu. Ecoam-lhe aos ouvidos os risos, as conversas, vê, com um sorriso nos lábios, as muitas fotos tiradas, as brincadeiras no meio da rua.
Dá mais um longo e pachorrento golo na camomila e suspira. Vai ter saudades do jardim, antes verde, agora ainda em tons outonais, dos passos sobre a ponte ao som murmurado do rio, das noitadas na “Além Rio” e ali, no 3ºD, dos doces, dos passeios e até de, “enlatada” com os amigos no banco de trás do carro, ir ao Pioledo, depois a “sua” cascata e, por fim, subirem até à Senhora da Graça... Sabe que vai ser assim, é a terceira vez que se despede, já começa a ficar acostumada aquela sensação.
Vila Real é simplesmente... Vila Real! Talvez pareça exagero, mas esta cidade, que as serras contemplam, cruzou-se com ela numa altura macambúzia, e fê-la sorrir... Arrancou-lhe um genuíno sorriso de criança, daqueles que não dava há muito, por isso tornou-se sua, uma parte de quem é.
Volta a levar a camomila aos lábios, dá-lhe, decidida, o trago final, vira costas à janela e encara a cozinha pousando a caneca na mesa. Está na hora de ir lá fora retribuir o sorriso (embora um pouco agridoce pela partida, mas enfim) e dizer: “Até já!!!”.


Borrega

fevereiro 09, 2009

Banco de jardim

O sol cumprimenta-me calorosamente, eu pisco-lhe o olho, agradeço-lhe a visita nesta tarde de Inverno e peço-lhe que fique, enquanto coloco e ajeito a almofada para me recostar, virada para ele.
Pronto, estou aqui, mais uma vez, semi-deitada no banco do meu jardim. À minha esquerda está uma das enormes pinheiras, com quem moro desde que me lembro, já as trepei tantas e tantas vezes... E, a seguir a ela, depois do corredor de alcatrão, onde vão passando os carros em grande azáfama, estende-se um campo verde. Hoje não, mas noutros dias estão lá, pastando alegremente, as ovelhas do vizinho.
Para quem passa e repara em mim, devo ser a menina do banco. Venho para aqui muitas vezes, conversar com o sol, a pinheira, as laranjeiras, que se alinham à minha frente, ouvir o canto dos pássaros que se mistura com o inconfundível arrulhar dos pombos, os latidos dos meus cães e, claro, o “zum zum” dos carros. Consigo aqui estar horas, acompanhada apenas por eles, sem pessoas...
É normal que quem nota que eu ali estou me veja, entre outras coisas, a ler ou escrever. Conto histórias a todos os meus amigos que se juntam em torno do banco, ou então invento-as, num pedaço de papel, ao som das suas vozes.
Na varanda da minha casa está um banco a contemplar o jardim. Ele é de metal, com formas encaracoladas nas costas e braços e o seu tom branco foi envelhecendo com o passar do tempo. Mas, apesar de velho e frio, é nele que me podem encontrar nos dias em que o sol brilha feliz no céu.
Ao meu banco, para que todos saibam como me orgulho de ser a sua menina!


Borrega

fevereiro 08, 2009

Metropolitano

Alerta: Texto demasiado comprido

16 Horas, malditos transeuntes, entupiam tudo o que era entradas e saídas do metro! Para passar o bilhete foi um castigo e já se estava a ver a cruzar aquelas portas de plástico como outros rapazes, a quem não lhes apetecia pagar o bilhete! Finalmente, entrou no metro levada por uma maré de gente e, sem perceber muito bem como, conseguiu sentar-se. De repente, sentiu alguém ao seu lado... Bolas! Uma grávida. Levantou-se educadamente e cedeu-lhe o lugar (um pouco contrariada como seria de esperar). Encostou-se a um banco onde se agarrou. Sentia o calor de outra pessoa a seu lado, respiravam-lhe em cima, tocavam-lhe, apalpavam-na, e todo aquele calor parecia-lhe impossível de aguentar!!
Apenas lhe ocorriam as palavras de uma amiga com quem tinha acabado de se encontrar: "Ainda vai ser no meio de uma multidão que vais encontrar o amor da tua vida!". Parvoíces! Como tudo o que ela dizia de conselhos!! Podia ser muito boa amiga, mas quando dava conselhos era a pior pessoa a quem recorrer.
Sentiu-se outra vez embalada na multidão para sair do metro. Ficou para trás, como se estivesse à espera que um simpático e esbelto rapaz, de camisa impecável e com uma flor na mão, brilhasse no meio da multidão suada e se deslocasse em direcção a ela, tal como se vê nos filmes e novelas, quando o protagonista, por mais balbúrdias que tenha passado, continua sempre impecável com a florzinha na mão que nunca se sabe de onde esta veio... Em vez disso, apenas um homem de negócios rude, com o telemóvel na mão, a empurrou para fora do metro.
Era incrível a sua ingenuidade para acreditar nas coisas que aquela sua colega dizia. Saiu do metro e foi para o centro comercial, esperava que aí arranjasse o sossego merecido, mas achou exactamente o oposto, era o caos, a desordem, a barafunda, a desorganização, a indisciplina, o pandemónio, a bagunça... Era tudo aquilo de que ela tentara fugir...
Avançou, e por vários desvios habilmente executados, quase dignos de uma bailarina de ballet, deu um encontrão em alguém, os seus olhares cruzaram-se, ela sorriu e ele foi atrás. Eram impressionantes as semelhanças que ele tinha com o rapaz que ela imaginara no metro, e tinha mesmo aquele sorriso que ela imaginara e quase parecia brilhar, apesar do mau tempo que inundava as ruas lá fora e as nuvens pretas que sobrevoavam a clarabóia do centro comercial, o tempo parecia parado tal e qual como num filme.
Outro encontrão fê-la despertar, não havia nenhum rapaz, fora outra vez levada pela sua imaginação...
Sem saber bem como, estava de volta ao seu apartamento, localizado exactamente no centro da cidade, simples como sempre gostar... Não gostava de exageros, sentia-se demasiado apertada, quase claustrofóbica. Examinou os armários em busca de algo, que não sabia bem o quê, dado que não o encontrava, decidiu ir tomar um banho para clarear as ideias. Mesmo quando se estava a embrulhar na toalha, alguém lhe tocou à campainha, correu a ir abrir a porta, com esperança que fosse alguém importante, afinal era só um estafeta que transportava uma pesada encomenda. Pousou o peso e ela assinou a pranchinha, mesmo em frente à cruzinha, perfeitamente desenhada, quando lha devolveu viu os seus olhos, de um verde marinho onde quase se perdeu. O estafeta recordava-lhe alguém, mas não lhe apeteceu fazer esforço algum para recordar. O rapaz levantou a pesada encomenda para lhe facilitar o esforço e, quando ela a ia aceitar, tocou, ou pelo menos pareceu-lhe, ao de leve na mão dele, ele esfumou-se no ar.
Sentindo-se com alucinações, regressou para dentro de casa, fechando a porta atrás de si. Dirigiu-se ao seu quarto, com intenções de se deitar, para relaxar daqueles encontros de terceiro grau que tinha sentido... De repente, lembrou-se de onde conhecia aqueles olhos naquela pele morena, pertencia ao mesmo rapaz a quem dera o encontrão no centro comercial, aquele que lhe aparecera à porta do metro com a flor na mão... Tinha sido outra partida da sua imaginação, mas ele parecia tão real.
Adormeceu. Estava deitada ao lado do rapaz que lhe surgira três vezes, com uma pele tão macia que não conseguia descolar-se dele. Parecia-lhe que tinham emaranhado as pernas com os sentimentos, e estavam ambos entrelaçados como um puzzle de duas peças, que encaixavam na perfeição. Era uma posição que agradava aos dois, e por ela ficariam assim para sempre. No dia seguinte, mudou radicalmente a sua aparência, de maneira a que o surpreendesse. Quando ia a voltar para casa, passou a uma passadeira depois de confirmar que o sinal estava verde e que não vinha carro nenhum. De repente, vindo de sítio algum, um carro a alta velocidade surgiu sem lhe dar tempo de reacção e pouco depois ali estava ela, estatelada no meio da estrada, de braços abertos, joelhos semi-dobrados, como se vê nos desenhos a giz, no meio da estrada, quando ocorre um crime que a polícia está a investigar.
Acordou. Mas quem era o misterioso rapaz que lhe ocupava a cabeça mesmo nos seus sonhos?! Estava na exacta posição, tal como acabara o seu sonho, mas por baixo do seu braço sentia algo quente e macio. Devia ser algum cobertor enrolado, pensou, mas acabou por verificar que era impossível, dado que tinha adormecido em cima da colcha, não tendo aberto a cama. 'É o cão', voltou a pensar, mas ocorreu-lhe, numa fracção de segundo, que não tinha cão, dado que as regras do apartamento não o permitiam. Um pouco a medo, olhou. O que viu não a podia deixar mais admirada. O rapaz que ocupava os seus pensamentos estava ali, mas já não era um rapaz, estava mais velho. Tocou-lhe várias vezes, para confirmar que ele não desaparecia. Sentou-se na cama e olhou em redor, não estava só com o rapaz na cama, também tinha pequeno-almoço com um café e uma torrada, tal como gostava antes de sair para o trabalho, mas também tinha uma flor, tal e qual aquela que vira à porta do metro na mão dele, e tinha um bilhete. Abriu-o com curiosidade e com rapidez, leu-o. Aquilo que lá viu escrito não lhe parecia fazer sentido. Ouviu uns gritos ingénuos, seguidos de uns risos contagiantes, tais como os duma criança. Releu o bilhete: "BOM DIA, MÃE!"
- Corta! - Ouviu-se uma voz estranha.
Quase como um impulso ela saltou da cama, ainda confusa. Seguiu a voz e reparou que o seu apartamento, no centro da cidade, não passava de quatro cartazes grandes dentro de um grande armazém escuro, onde vários holofotes apontavam para a casa. O rapaz que estava deitado levantou-se, vestiu-se e desapareceu-lhe pela quinta vez. Ela desfaleceu numa cadeira, olhando para aquilo que acreditava mesmo ser a sua vida. Sentiu-se falsa, despedaçada, rasgada, usada e deitada fora. E foi assim que ali ficou.

Pulga

Rotina

Todos os dias acorda com um sorrisinho nos lábios e uma promessa: ‘Hoje vou ser feliz.
Todos os dias cumprimenta dezenas de pessoas, metade nem as conhece, e essas apenas se deixam encantar pelo sorrisinho.
Hoje não escapou à rotina. Acordou e seguiu a vida. A meio do dia recordou-se da sua promessa. Sorriu novamente, reagiu espontaneamente, falou abertamente. E as horas passavam-lhe.
Cumpriu a rotina que lhe competia e regressou ao seu lar. Aí desabou. ‘Mais uma promessa incompleta’ apenas sussurrou.
Enquanto sorria, via gente a sofrer, mal ela sabia que essa gente sofria por ela estar a sofrer.
Não reagia com a espontaneidade dela, mas de alguém.
Enquanto falava, falava apenas de coisas supérfluas.
E quando cumprida a rotina, quando de volta a casa, não lhe havia razão para ser feliz. Apenas tristezas, e a esperança de que amanhã finalmente conseguisse cumprir a promessa feita durante anos e nunca cumprida.

Pulga

fevereiro 01, 2009

Lembranças

Hoje, desci aquelas escadas, aquelas onde, meses atrás, me beijaste.
Hoje, desci aquelas escadas e tive saudades, tenho saudades tuas.
Sabes, quando desci aquelas escadas havia um música na minha cabeça, a música que sempre associo aquela noite, há meses atrás. Aquela música que nos fez balançar, abraçados, enquanto nos decidiamos a dizer adeus. Lembro-me que me perguntaste se estavamos a dançar, algo do género, não me lembro do que te respondi. Sei que te apertei com os meus pequenos braços e continuamos a balançar ao som daquela música que saia pela frecha da porta, iluminando o corredor onde estavamos. Os meus beijos eram salgados, foi o que disseste.
Hoje, desci aquelas escadas, tenho saudades, agora já nem sei a que sabem os meus lábios...


"You're just too good to be true.
Can't keep my eyes off you.
You feel like heaven to touch.
I wanna hold you so much."
Borrega
P.S.- "I walk beside you"
"This is a dedicatory song."