setembro 30, 2009

Amongst ... music!


O som é conhecido, tantos anos a crescer com ela...
A voz tem alma, garra, tem vida. Aquela voz sozinha tem tudo isto, mas, como se não bastasse, juntam-lhe gente que toca com a mesma paixão de quando estava na garagem e sonhava ser estrela rock.

"Só queremos ser uma grande banda rock."

E são.
Novamente viciada, novamente apanhada na onda, novamente... sempre!
Banzada... *-*

Borrega

Créditos:
Álbum: Pearl Jam - Backspacer
Música: Pearl Jam - "Just breathe" ; "Amongst the waves"
imagem: Capa do álbum

Mais informações em: www.pearljam.com

setembro 28, 2009

Ensimesmada



O seu corpo desnudo está, numa sensual inocência, caído sobre o sofá. O calor é descomunal e já sua por cada poro, apesar do banho gelado d'onde acabou de sair.
A toalha que lhe censurava as curvilíneas formas ficou caída algures entre a casa de banho e o sofá. Nem se deu ao incómodo de a apanhar, está exausta demais, esmagada pelo calor, pelos infernais 32ºC, desta noite estival.
Está disposta sobre o sofá quase sem qualquer sinal de rigidez, como quem dorme em REM profundo. Os olhos estão fechados, voltados para si mesma. Passado o quiasma óptico, é apanhada numa sinapse e levada até ao cérebro. Vagueia pela sua memória e ordena a meia dúzia de neurónios que lhe tragam umas quantas memórias para rever.
Já na sua posse, pergunta-lhes qual o caminho mais rápido para o coração. Espreme-se por entre a barreira hemato-encefálica e entra na circulação. Fluí pela jugular, depois pela sub-clávia, até à veia cava superior e, finalmente, chega: Coração!
É um sitio estranho, ecléctico, escuri'claro, quenti'frio, paradoxalmente agridoce.
Refastela-se lassa e luxuriante numa bela otomana. Aprecia-lhe o vermelho vivo dominante, as cicatrizes e estagna nas obras de reabilitação da zona com isquemia.
Sorri, leve, enquanto faz malabarismos com as memórias que trouxe consigo.
Olha-se nelas, cresceu!
Olha-se nelas, madurou!
Olha-se nelas, falta-lhe tanto que andar, que aprender, que melhorar!
Olha-se...
- Oriana. - soa-lhe uma voz, em doces meias de lã, ao ouvido.
Entrega as memórias a duas belas hemácias para que as reponham onde pertencem e abre os olhos. Meigo, ele está ajoelhado ao seu lado, de mão na sua barriga suada.
- Vem, vem para a cama.
Pega-a no colo, aconchega-a a si, apesar do luciférico ambiente. Pousa-a na cama de dossel, despe-se e, igualmente desnudo, vai colar o seu corpo no dela, numa concha de inocente luxúria carinhosa.
Oriana em crescimento.
Oriana e desejos do corpo e da alma.

Oriana...

Borrega

Quadro errado


Pegou nas garrafas e atirou-as contra o roupeiro. Estava tudo mal. Tudo mal.
Ela devia tê-la ido buscar, com um sorriso, sabendo que ela viria cansada da viagem. Devia tê-la ido buscar como paga das vezes que foi a recém-chegada a ir buscá-la. Aquelas viagens que ela tinha feito. O que ela tinha sacrificado. E ninguém lhe dava o valor. Nem ninguém a foi buscar.
Chegou a casa carregada. Chegou a casa esgotada. Sabe onde ela está, mas não quer lá ir. Se lá for vai-se enervar. Se lá for vai dizer coisas que mais tarde se arrependerá. Entrega tudo ao cansaço. Entrega tudo ao rancor.
Calcando agora os vidros desfeitos apercebe-se do que está errado. Pintou mal o quadro. Tem de recomeçar. Desta vez não vai ser com tinta, será só um rascunho, jura sempre a si mesma. Mas na manhã seguinte de cabeça fresca, o sangue ainda lhe escorre, e serve-lhe de tinta. Um dia pintará o quadro como deve, mas hoje limita-se a pisar os cacos.



"What did you expect to find?
Was it something you left behind?"
Hemorrhage (in my hands) - Fuel


Pulga

setembro 27, 2009

Tempo...


Senta-se no sofá, com a taça de cereais ao colo, pega no comando.
- Hoje esperam-se inúmeros furacões e tufões de epicentro cardíaco. Ventos de velocidades astronómicas abalarão os ventrículos e chuvas torrenciais alagarão as aurículas. - proclama a impessoal voz feminina.
Duas irreverentes pontadas do lado esquerdo corroboram a notícia.
- Que seja! Que venha o doloroso mau tempo e a caótica tempestade. Que voltem. Acho que os suporto, acho até que tenho saudades deles! - troça numa voz de escárnio pessimista.
Por vezes, mesmo no Verão, ainda lhe gela o peito só de lembrar o gélido vento cortante daquela voz tempestuosa, ainda lhe afoga a alma de lembrar aquela chuva soluçantemente infindável!
Será que, alguma vez, voltará a ser Verão a sério?
Só lhe resta juntar forças para continuar a vir à tona, para continuar a manter-se à tona.

Borrega

Créditos:
Música:
Bryan Adams - "Summer of 69"

setembro 24, 2009

Lembrando (enquanto) esperando


Sentada num canto, daquela mesa contempla o espanto, a prosa, o encanto. Daquele canto, isolada, observa a sala, hoje não lotada, daquele café costumeiro.
O aroma prazenteiro a camomila envolve-a, na espera pela companhia. Com ela está um gato, um que não mia, um que é inanimada companhia.
Têm sido dias cheios.
Que acontecerá quando esvaziarem, que acontecerá quando os seus passos abrandarem?
Deve parecer estranha às pessoas, ali naquele canto, com um gato de peluche como companhia e escrevinhando num caderno...

Como me apetece chuva no corpo!

Vai tragando o chá, doce como as memórias d'ontem na relva, como as da noite de há dois dias...
A noite de há dois dias, balançada por'aquela voz de talento gritante, de sentimento pungente, que caminhava encantado-a e ao pequeno pássaro que esvoaçava pela sala de ensaios, enquanto o ar era cortado vezes sem conta pela capa que outro rapaz manejava.
Como o pássaro voava...

Como me apetece chuva no corpo!

Apetece-me chuva no corpo, deitada na relva, ao som daquela voz e daquela guitarra, com a tua boca à minha colada...
Apetece-me...
E tragando o chá, gole a gole, ela vai lembrando e pelos amigos esperando.

Borrega
(17/09/2009)

Créditos:
Música: Rolling Stones - "Waiting on a friend"
Imagem: Avril Lavigne

Pranto


Chora, menina, chora
Hoje, nada te enamora.
A alegria, vadia
Tirou-te cor à face sadia.

Chora, mulher, chora
A luz apagou-se
O brilho foi-se embora
O teu sorriso agastou-se.

Chora, menina-mulher, chora
Chora...
Chora...
Chora!

Há-de passar, o mal há-de ir embora.
Chora...

Borrega

Créditos:
Música: Dire Straits - "Romeo & Juliet"

setembro 20, 2009


É um recurso inesgotável, a sua abundância é infinita na humanidade, mas, mesmo assim, não temos que chegue. Todos sentem a sua falta, todos o querem dar, nunca temos que chegue. Não podemos viver com ele ou sem ele, limita a nossa existência e, ao mesmo tempo, levamos mais além.
É viciante e difícil de ressacar, deixa 'fridas que só se curam com o mesmo remédio. É toda a fonte da nossa dor e da nossa alegria. A culpada de toda a destruição e pecados no planeta e, ao mesmo tempo, da sua união.
Um brinde brinde ao veneno mais cobiçado e apetecido: o Amor.

Alegria
(20/06/2009)

Créditos:
imagem: daqui

'Se eu fosse...'


(daqui)

Se eu fosse uma hora do dia – seria as 23h da noite.
Se eu fosse um astro – seria Júpiter.
Se eu fosse um móvel – seria uma estante de livros.
Se eu fosse um líquido – seria ice tea de limão!
Se eu fosse um pecado – seria a gula.
Se eu fosse uma pedra – seria uma pedra da calçada.
Se eu fosse uma fruta – seria um ananás!!
Se fosse uma flor – seria uma estrelícia.
Se fosse um instrumento musical – seria um bombardino (ahahahah!! Vá… Talvez um piano, suave e monocromático!!)
Se eu fosse uma cor – seria muitas cores (para compensar a falta dele no piano!)
Se eu fosse um animal – seria uma égua ou um tigre!!
Se fosse um sentimento – seria a alegria momentânea.
Se eu fosse um livro – seria um livro, com romance e conspiração à mistura!
Se eu fosse uma comida – era bacalhau à Brás.
Se eu fosse um lugar – era um lugar em que o verde e os prédios se fundem!
Se eu fosse um sabor – seria doce.
Se eu fosse um cheiro – seria baunilha e chocolate.
Se eu fosse um verbo – era.
Se eu fosse um objecto – seria um livro.
Se eu fosse uma peça de roupa – seria um adereço, ou umas calças.
Se eu fosse uma parte do corpo – seria o pescoço.
Se eu fosse uma personagem de desenho animado – (não sou?) seria uma daquelas raparigas que fica em segundo plano, e têm uma pancada extremamente forte no protagonista!
Se eu fosse um filme – seria talvez: ‘A Minha Vida em Ruínas’.
Se eu fosse uma forma – seria um quadrado.
Se eu fosse um número – seria um número ímpar.
Se eu fosse um vestido – seria um qualquer apenas usado uma vez e esquecido no guarda-roupa.
Se eu fosse uma estação – seria o Outono.
Se eu fosse uma música – ‘Talk’ de Coldplay
Se eu fosse uma frase – “I’m not a bitch, I just have low tolerance to bullshit."




Pulga

Penso, imagino...

Imagino-te deitado, nessa tua pequena cama, tão grande para mim, tão pequena para ti, de cabelo desgrenhado. És alto, cresceste, ela já te fica pequena, mas ainda te serve de aconchego.
Imagino-te, pequeno menino perdido em corpo de homem, encolhido, moldando-te à pequenez maternal dessa pequena cama, a tua cama.
Imagino-te.
Penso em ti, se já te terás levantado, ou se ainda estarás a ganhar forças para mais um dia de batalha, de aceitação. Se ouves música de olhos fechados enquanto a tua mente corre milhas, para lá do que a vista alcança, para lá de tudo o que é limite, pois tua mente galopa infinita pelos prados inteligíveis.
Penso, imagino...

Borrega


Desafio "Se eu fosse..."



Se eu fosse uma hora do dia - nasci ao meio-dia, agora quereria ser o encanto da meia-noite!
Se eu fosse um astro - a Lua (cíclica, como tudo na vida: um ciclo... ela renova-se, desde o negro fecundo da lua nova ao apogeu de vida da lua cheia...)
Se eu fosse um móvel - um belíssimo, enorme e confortável sofá... que, obviamente, se abriria para dar uma cama... 2 em 1, versátil e descanso garantido!
Se eu fosse um líquido - um cálido cálice de Licor Beirão
Se eu fosse um pecado - a preguiça ou a gula, mas sempre com um embriagante aroma de luxúria.
Se eu fosse uma pedra - Pérola... Ok, eu sei que não é uma pedra... but "every women love pearls." (Zeta-Jones in The Mask of Zorro)
Se eu fosse uma fruta - morango ou cereja...
Se fosse uma flor - cravo ou lírio
Se fosse um instrumento musical - guitarra!!!!
Se eu fosse uma cor - preto
Se eu fosse um animal - Borrega!!!!!!!=P (adoro grandes felinos: tigres, panteras... por ai.)
Se fosse um sentimento - era eterna, porque os sentimentos, bons ou maus, passam gerações, duram mais que mil vidas... porque os sentimentos são a razão de tudo.
Se eu fosse um livro - depende... Há dias que sou um policial, outros em que sou um romance, outros sou um livro de aventuras fantásticas... Transversal a tudo isto está a poesia de Florbela Espanca e a escrita de Stephenie Meyer!
Se eu fosse uma comida - era uma massa carbonara do Italiano de Santarém
Se eu fosse um lugar - seria um caleidoscópio de lugares... uma cabana à beira mar plantada, um barco amarrado numa árvore, balançando ao sabor das marés do Tejo, uma cascata no Gerês, o imenso e alvo Marão...
Se eu fosse um sabor - seria uma bittersweet symphony of flavors
Se eu fosse um cheiro - um aroma doce, leve, com um laivo exótico
Se eu fosse um verbo - era o principio... porque "no principio era o verbo"!
Se eu fosse um objecto - a dita guitarra!
Se eu fosse uma peça de roupa - All Stars ou uns jeans
Se eu fosse uma parte do corpo - olhos...
Se eu fosse uma personagem de desenho animado - uma bonequinha d'anime de bochechas bem coradinhas... Mas a minha preferida é a Hinata (do anime Naruto!)
Se eu fosse um filme - indecisa entre: Amor sem fronteiras e o Invisível
Se eu fosse uma forma - qualquer uma irregular
Se eu fosse um número - 7
Se eu fosse um vestido - era um lindo vestido preto no lindíssimo corpo da Angelina Jolie!=P
Se eu fosse uma estação - Verão, mas um Verão com a doçura da Primavera, a melancolia do Outono e a leve brisa gélida do Inverno para equilibrar as noites abrasadoras!
Se eu fosse uma música - um clássico do rock!
Se eu fosse uma frase - "Indian, indian, what did you die for? Indian says, nothing at all." (Jim Morrison)


Borrega


Créditos:
Música: Die Happy - "I am"
Imagem: Mariana Ximenes

setembro 19, 2009

Urso de peluche



‘Eu cresci’ grita ecoando na sala vazia.
É, cresceu. Foi arrancada dos quentes braços do urso de peluche e atirada para o frio metal da secretária. Foi marcada em todo o caminho até lá chegar. Não se lembra quem foi o culpado, mas sabe quais foram as lições a tirar.
Pois cresceu. Está tão grande que parece uma senhora. Os olhos já quase não brilham, o sorriso já quase não existe. De perna cruzada, já não se notam as marcas das quedas no asfalto, em que logo a seguir desatava a correr agarrando com força o urso de peluche. Já vai longe o tempo em que a dor era dele e não dela.
Sim, está crescida. Está crescida e sente-se enganada. Onde está a felicidade que lhe arrancaram no passado e lhe prometeram no futuro? Ainda a procura, mas os olhos já não luzem com essa vontade.
Falta-lhe o urso de peluche. Falta-lhe a meninice. Falta-lhe o brilho nos olhos. Falta-lhe o sorriso nos lábios. Ainda lhe falta crescer.
Pulga

setembro 18, 2009

Quando o medo tem contornos de mulher


Todos temos medos. Eu tenho um corrupio deles, uns momentâneos, outros crónicos. De entre o meu rol de temores há um em específico que me atormenta não saber explicar. Eu tenho medo de guitarras. Não é aquele medo de fugir, é um medo diferente, mas ninguém o entende, às vezes nem eu. E por mais que tente explicar, as palavras fogem-me e não saem.
Cresci a fazer “guitarrinhas” com as vassouras cá de casa. O meu pai, grande apreciador de rock e sobretudo do som da guitarra, era o meu professor. Éramos verdadeiros profissionais, quais Jimmy Hendrix da vassoura. É daí que vem o fascínio que sinto, mas como é que ele cresceu e se metamorfoseou neste medo não sei bem...
Talvez tenha colocado a guitarra num pedestal demasiado alto. Ela é como uma Deusa, tão perfeita, tão pura, tão inebriante. Eu, uma simples mortal. Tremo quando lhe pego, tremo como varas verdes num dia de vendaval, o meu cérebro bloqueia, as mãos prendem, os meus lábios só conseguem pronunciar a frase «Não sou capaz!» e largo-a, como se tocar-lhe fosse pecado.
As fabulosas curvas que lhe dão forma são como se de uma mulher se tratasse. Porque não venço este medo e não me perco nelas, nas curvas daquela perfeita silhueta feminina? Porque não sou simplesmente capaz dum simples acto de simbólico lesbianismo e passo a ter com ela uma relação carnal?
Acho que estou a pôr mais perguntas que a responder às minhas dúvidas, já nem sei. Tenho muito medo de errar, é como se cada acorde que lhe tento tirar, cada nota que falho fosse magoá-la, apunhalando-a e fazendo-a agoniar e definhar. No fundo, personifiquei-a demais, dei-lhe ânimo a mais. Talvez seja isso, a culpa é só minha, porque vivo a tentar escapulir-me da realidade e a idealizar tudo, até o mais banal.
Tenho receio de me perder nas suas curvas, de encostá-la ao meu tronco, de deixar os meus dedos correrem soltos pelas suas cordas, de me fundir com ela e de deixá-la falar por mim. Quero tocar e não consigo, mistifiquei-a tanto que agora a repudio, com medo de profanar o seu sagrado corpo. Quero-a e fujo dela.
No entanto, um dia, hei-de cometer o sortilégio, hei-de massacrar e mutilar este estúpido medo e, finalmente, tocar.


Borrega
(19/10/2007)
Créditos:
Música: Ana Moura - "Guitarra"

setembro 16, 2009

Corre, pequena



Corre, pequena, corre. Sente a brisa tornar-se em vento. Sente aquilo que ninguém em teu redor sente. Sente saudades de correr descalça em cima das pedras e do alcatrão a escaldar. Sente saudades de te sentires afundar quando pisavas a fresca e fofa relva. Sente uma explosão de emoções a cada passo mais apressado. Corre, pequena, corre.
Gira, pequena, gira. Roda e roda. Abre os braços. Gira com tanta graciosidade, que no meio da multidão e das luzes não bates em ninguém. Fica tonta. Gira até caíres. Gira, pequena, gira. Gira até caíres nos braços dele. Por entre risos e giros.
Sorri, pequena, sorri. Orgulha-te do sorriso tímido que lhe mandaste no primeiro dia. Esse sorriso que te impede de caíres. Esse sorriso que o obriga a estar lá sempre que precisares. Sorri, pequena, sorri. Não, não sorrias, já não precisas. Ri-te, pequena, ri-te.
Corre, pequena, corre. Aqueles braços estão mesmo ali. Corre, pequena, corre.
Salta, pequena, salta. Salta-lhe para os braços. Ele que gire e ria contigo. Dobra os joelhos para sentires a velocidade a que vais. As saudades não se matam assim, mas atordoa-as. Salta, pequena, salta.

Pára, pequena, pára. Mas tu não páras. Continuas irrequieta, a rir-te, a mexer no cabelo, a pegar no telemóvel. Pára, pequena, pára. Mas para ti, parar é quase a tua morte.
Pulga

setembro 15, 2009

Alegre cadáver



É corpo frio, deitado sobre o banco de madeira.
É corpo dorido, com música gritando ao seu ouvido.
É corpo inerte, esperando que a cidade, que vai ganhando vida de novo, a desperte.
É corpo dormente, cuja mente agonia por assimilar o que sente.
É corpo de gente, mulher, dum abraço carente.
É corpo que gira, que corre pelo mundo, gritando pla vida.
É... Tem de ser...
Uns dias vive, noutros tem de viver...

Borrega

Créditos:
Música:
Pólo Norte - "Deixa o mundo girar"

setembro 13, 2009

Pegada ;D

Por obras mágicas (gaziliões de obrigadas, Sininho!), chegou a este blog este prémio:




Segundo as regras, devíamos:

1. Exibir o selo;

2. Indicar quem o ofereceu;

3. Presentear 10 blogs e avisá-los.

MAS, nós achamos que a última regra é bastante injusta... Então em vez de 10, vamos escolher 13 blogs que nos fazem sonhar:

1. A place like home

2. D'um detalhe

3. Pedacinhos de coração

4. Parrots and lions

5. Black and White

6. A minha vida dava... um blog

7. Crimes perfeitos

8. Apontamentos

9. De repente já nos... 20

10. You fumigate my mental hygine

11. Mais que (im)perfeita

12. Tentadora maresia

13. Em busca da realidade (porque sofremos as duas de Peter Pan Sydrom, and we love it! Mais uma vez obrigada, Sininho!)

Pulga e Borrega

Um banco, uma noite em branco...

"Chegaste de passos apertados
Os olhos embargados
Cheios de medos teus
Pediste que te levasse a mágoa
E que te tocasse a alma olhando para os meus

Apertei-te contra ao peito, num abraço perfeito"


Um banco
Uma noite em branco
Dois num banco
Nós dois naquele banco,
Velejando aquela noite em branco.
Os teus braços eram a couraça...
Não, eram antes a âncora, que me prendia à realidade de que não podia mergulhar sem retorno nos teus olhos.
E como eu queria, e como o quero!

Outro banco
Outra noite em branco
Dois num banco
Nós dois, de novo, num banco...

Recito-te a minh'alma em meus olhares vesuvianos.
Canto-ta em meus cantos de voz rouca, voz de louca!
Minhas mãos apertam as tuas, as tuas ficam felizes cativas delas.
Solto-as, voam livres para a minha face.
As minhas, correm, urgem, para as tuas perfeitas maçãs do rosto, cuja casca é mais macia que veludo, é mais suave que seda.
Afago-tas, uma e outra vez...
Acaricio-tas, mais esta e aquela, ainda mais esta e outras infinitas vezes... Até perder a noção matemática do quanto queria, naquele momento, que aquele afago te cura-se a alma.
Enquanto isso, tu, menino perdido, trilhas o corpo da minh'alma a cada dedilhar na minha pele...

Nós dois...
Dois num banco
Uma noite em branco
Um banco
Velejando pelos nossos (sor)risos leves e felizes
Pelas nossas almas, naquela hora, em pranto, em sangria, em urgência, se tocando

Nós
Numa noite em branco
Naquele banco
As almas abraçando.

Borrega

Créditos:
Música: Pólo Norte - "A dança"

Alegria


Tenho um amigo que é a Alegria em pessoa.
E que pessoa é Alegria?
Alegria é preto e branco e arco-íris.
Alegria é corpo quente de gente que se destaca das outras gentes, já que é puro e fiel, é verdadeiro e reluzente.
Alegria é pessoa única, é amigo verdadeiro que, no meio de toda esta gente, fica sinceramente contente de me ver.
Alegria chora e ri, canta e berra, Alegria impera!
Impera porque é honesto, porque não debocha pelas costas e sim me fala pela frente, porque me quer sempre contente...
Porque Alegria é alegria e Alegria precisa-se!

Borrega

P.S.- "This is a dedicatory song":
To Alegria, one really "Special Specie", with truly friendship and love

Créditos:
Imagem: escolhida por Alegria

setembro 12, 2009

Caminha, pequena


Caminha depressa, pequena, por esse beco escuro. Não ergas a cabeça, ainda não. Quando sentires a dor latejante aí sim, poderás levantá-la.
Abre os olhos, pequena, abre-os depressa. Não te arrependas. Nada de mal fizeste. Apenas fechaste os olhos quando os devias ter mantido abertos e ríspidos. Aí ninguém te daria o encontrão que te fez bater com a cabeça.
Aconchega-te, pequena, aconchega-te bem. Aninha-te em ti. Não vale a pena chorar, mas larga essas lágrimas que sentes que estão a mais. Dói, mas daqui a pouco passará. Daqui a pouco, apenas sentirás a sombra daquilo que te pareceu a pior dor de sempre.
Recomeça o caminho, pequena, recomeça até o saberes de cor. Ainda vais bater muito com a cabeça. Mas não podes já querer o fim do beco se ainda estás no inicio. Caminha, pequena, caminha. Caminha com aquela graciosidade que outros admiram e que tu recriminas.


Pulga

Despedidas...

Mais uma vez, de partida.
Mais uma vez, de malas aviadas.
Mais uma vez, a pequena, com a casa às costas, carregada.
Mais uma vez, o velho ao portão chorará a ausência da pequena que sempre amará.
Mais uma vez, ela não o olhará, cobarde, por medo de desabar.
Mais uma vez, lhe prometerá retornar sã e salva e lhe porá um beijo leve nas rugas vincadas e um abraço doce no corpo calejado.
Mais uma vez, se despede de casa para ir para casa.
Mais uma vez, aquele paradoxo sentimental, aquela agonia e felicidade em coexistência surreal.
Mais uma vez, a saudade começa a crescer, mas outra saudade começa a morrer.
Mais uma vez, está de Viagem:

É o vento que me leva.
O vento lusitano.

É este sopro humano
Universal
Que enfuna a inquietação de Portugal.
É esta fúria de loucura mansa

Que tudo alcança
Sem alcançar.

Que vai de céu em céu,
De mar em mar,

Até nunca chegar.
E esta tentação de me encontrar
Mais rico de amargura

Nas pausas da ventura
De me procurar...

Mais uma vez, despeço-me desta casa com uma certeza: a incerteza do retorno.

Borrega

Créditos:
Poema: "Viagem" de Miguel Torga (in "Diário XII")

setembro 08, 2009

Mergulhos de Consciência e Alma

"Um dia ainda cais podre de tão madura que estás."
(Cristina Picamilho)


Há já algum tempo que não ia ali. Agora que se estava a pôr de pé, a ressurgir depois de todo aquele tormento, de toda aquela dor lancinante... Arrepia-se só de pensar... Agora que se reerguia, precisava de perceber o porquê da sua Alma estar fraca...

- Quem construiu aqui um dique?- o seu tom é de calma estupefacção.
- Tu!
- Eu?
- Sim, tu.
- Isto é o porquê de me sentir fraca?
- Sim, como vês o dique apenas tem pequenas fugas, foste, como sempre, perfeccionista. A tua força já não jorra, já não te inunda a Alma.
- Porque raio fiz eu isto?
- Achaste que assim domarias melhor os teus ímpetos.
- Fiz batota.
- Fizeste.
- E tu deixaste? - tinha abandonado o tom calmo e caído em si.- Deixaste que me suicidasse? Sim, porque cortar a força que banha a minh'Alma é tentar suicídio. Deixaste? - atira exasperada e incrédula.
- Deixei. - responde a Consciência sem qualquer remorso. - Estar à beira do abismo, fez-te crescer, Oriana.
- Como o desmancho?
- Ali, chuta aquele tronco, desmoronará.
Corre, estanca colérica em frente do tronco, Lágrimas lavam-lhe a vergonha da face, chuta-o.
A água a engolir a madeira é como um grito de liberdade.
Oriana sente o corpo ser encharcado pelo rio de força que desespera por galgar os escombros que outrora o cingiam.
A frescura e o cheiro leve do murmúrio da água é música que adoça o ar e lhe anima o corpo.
Sorri, aliviada.
Sorri, sentindo a Alma a ser inundada daquela vivacidade impetuosa que lhe faltava.
Volta para perto da Consciência.
- És ser híbrido, és ser impetuoso, qual furacão, mexes em tudo por onde passas. És ser que se dá, que se mostras, que rasga o peito e expõe o Coração. És Alma em corpo, és melancolia de cem poetas cantada pelos teus olhos de brilho e tristeza. És mistério porque és vai-e-vem imparável de sentimentos.
- Tenho tanto medo de sofrer!
A Consciência olha-a complacente. Abraça-a e senta-a numa cadeira.
- Olha. - pede-lhe. - Por fugires desse medo, enclausuraste tudo isto. Se o encarares, como te sei capaz, crescerás.
Sorriso escancarado, de orelha a orelha, chega a Alma, encharcada até aos ossos.
- Oriana!!! - entoa melodiosa.
Pega-a no colo e atira-a ao ar, para depois a agarrar e abraçar.
- Obrigada. - sorri.
- Não estás chateada comigo?
- Não, eu também deixei. - pisca-lhe o olho. - Agora estou maior e mais forte. Ela mais sábia e tu, pequena, mais madura.
Abraçam-se.
Oriana senta-se de novo, e, ladeada pela Consciência e pela Alma, contemplou o seu Éden renascer...


Oriana...

Borrega

P.S.- A todos os que tiveram lá para mim...

setembro 06, 2009

Salta-se e bale-se que...

As Poucas palavras

Foi um dia, e outro dia, e outro ainda.

Só isso: o céu azul, a sombra lisa,
O livro aberto.
E algumas palavras. Poucas,
Ditas como por acaso.

Eram contudo palavras de amor.

Não propriamente ditas,
Antes adivinhadas. Ou só pressentidas.
Como folhas verdes de passagem.
Um verde, digamos, brilhante,
De laranjeiras.
Foi como se de repente chovesse:
As folhas, quero dizer, as palavras
Brilharam. Não que fossem ditas,
Mas eram de amor, embora só adivinhadas.
Por isso brilhavam. Como folhas
Molhadas.

Eugénio de Andrade





...o Zoo está em remodelações!!!!!


Pulga e Borrega


P.S.- O nosso muito obrigada à Prof. Margarida, que nos facultou este lindo poema sobre a mudança...
Porque nunca é tarde para mudar, basta termos fé em nós...

Falsas doces ilusões



Em cima do telhado ele aconchegou-a nos braços enquanto lia do caderno. A noite embalava-os, e ela voltou a cara para poder ver-lhe a face enquanto ele a encantava com os seus textos. Enquanto virava a cara a sua voz soou-lhe mais doce aos ouvidos e a boca mais apetitosa. Ele aproximou-se e beijou-a. Deixou-se beijar. Afastaram-se. Soube-lhe bem. Soube-lhe a culpa e traição, mas acima de tudo soube-lhe bem.
Ajudou-a a descer do telhado. Despediu-se dela com mais um beijo e um até amanhã. ‘Até amanhã…’ repetiu ela mudamente. Amanhã teria de lidar com aquele sentimento, com aquela pessoa. Como podia tê-lo traído?? Sim, por vezes já o tinha imaginado, não o negava, mas afastava sempre esses pensamentos… Era uma mulher dum só homem… Mas neste momento sentia-se excremento pisado por todos.
No dia seguinte lá estava ele, traído e ignorante. Era uma festa de anos. Um amigo em comum. Entre eles estavam dois amigos. Pensava que ele a ia ignorar, mas contra a maré, olhava sempre para ela, sorria-lhe de saudades e tentava animá-la vendo-lhe o olhar triste. Ela queria contar-lhe. No final da festa. Ele que se divertisse. De repente na televisão soaram as malditas palavras. Ele olhou mesmo a tempo de a ver beijar o outro.
Ergueu-se e arrastou-a para a cozinha. Já não havia sorriso, apenas mágoa e força. Dum lado da mesa de madeira gritou-lhe:
- Como me podes ter feito isto?? Como? Sabias que estávamos quase juntos, sabias que tinha saudades tuas, como me podes ter feito isto?
- Fui louca. Ele pediu-me para sair com ele, acabámos no telhado e quando dei por mim estava a beijá-lo. Não que não pudesse. Foste tu que nos colaste aquele rótulo, foste tu que disseste que não me amavas mas que querias poder continuar a beijar-me. Não é como se não tivesses tido nenhuma outra ‘curte’ durante este tempo todo…
- Não tive. Não tive mais ninguém. Saí para me distrair. Pensei que não te amasse. Mas sabes. É aqui
– murmurou-lhe apontando para a cabeça - que eu apenas te quero junto a mim, apenas te quero beijar mais uma vez. É daqui que saem todas as palavras em que acreditas. Mas é aqui – desceu até ao peito – que me dói quando vi aquilo. É aqui que me diz que talvez até te ame.
- Sabes… Eu não sei como é que aquelas filmagens foram ali parar. Mas que tenho saudades tuas, que nunca te faria isto, disso podes ter a certeza.
- Eu sei como é que as filmagens foram ali parar.
– disse o outro vindo de algures. – é o trailler para aquele filme.
Nada lhe fazia sentido. Apenas as palavras a seguir murmuradas.
- Estás a dormir.
Abriu os olhos. As saudades abateram-se. Estava pronta para outro dia real.


'The colors have built up in my mind
They're bleeding through my heart
And nobody knows that they exist'
Blueside - Rooney
Pulga

Anatomia d'um reencontro

Tenho-te nos braços.
Finalmente!
O teu corpo, maior que o meu, curva-se num abraço apertado, forte, quente, carinhoso.
Damos algum espaço, mas sem as minhas mãos abandonarem a tua cintura e as tuas os meus ombros.
Elevo-me, estou em bicos de pés, baixas um pouco o rosto, os nossos narizes tocam-se: beijo esquimó, é doce...
Pés no chão, abraço-te de novo, abraçamos-nos. Ergues-me e rodas-me. Vislumbro todo o parque numa roda viva de luz...
Tinha saudades.
Baixas-me, rimos.
Olhamos-nos condescendentes, mergulhamos nos olhos um do outro. Voltas a abraçar-me, sinto cada contorno meu torneado pelo teu corpo...
Num doce silêncio respirado, os teus olhos perguntam aos meus, "Vamos?". Os meus assentem e, cingindo-me contra o teu flanco, levas-me debaixo do braço.
Com um sorriso, tomamos o nosso lugar na esplanada.

Borrega
[texto ficcional]


Insónias


"Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida..."


Não consigo dormir...
Revoltei-me vezes sem conta, esfolei-me (malditas alergias!).
Sei que não o devia ter feito, mas o instinto dominou e eu só queria dormir, e sinto o latejar fervente das zonas afectadas, e não aguento os lençóis sobre a pele e... e... e... desisto!
Não consigo...
Cabeça cheia...
Corpo frágil...
Mas os olhos pesam e a cabeça, apesar de cheia, está tão, tão cansada...
Sou alguém cansado.
Ardem-me as pestanas e pisco-as, vezes sem conta, em frente ao ecrã do computador (solução buscada para a insónia).
Já vi este filme vezes sem conta, sei-lhe as falas de cor, mas tem magia, lembra-me as histórias da infância, contadas neste mesmo quarto (demasiado calor no meu, acampo no chão do quarto que, agora, é do meu irmão).
São outras eras, outras esferas, como diz a poetisa...
E viajo por elas, e viajo por tormentos e delicias, e tudo me assalta a mente e quero rir e chorar, e estou cansada e a mente não cede ao corpo, e vou andar rabugenta, qual velha amarga, porque não dormi...
Se calhar, é mesmo isso que sou: velha rabugenta em corpo de moça... Flor murcha... Alma cansada, que parece que já viveu...
O sol lá fora deve estar a nascer, talvez com essa luz a flor anime: recuso-me a morrer em vida!
O filme vai-me soando aos ouvidos, pautando a escrita com as mudanças de luz do ecrã. Ergo os olhos apenas para ver as cenas que mais gosto.
Não consigo dormir...
Revoltei-me vezes sem conta...
Pelo menos a comichão amainou!

"E fico, pensativa, olhando o vago..."

Borrega
(6.56h)

Créditos:
Filme:
Robin Hood - Prince of Thieves
Poema: Florbela Espanca - "Lágrimas ocultas"


A cadeira branca do lúgubre alpendre...

Naquele alpendre lúgubre, ela estava sentada na solitária cadeira branca.
Ele, meio perdido, veio, tombou de joelhos, numa queda tão lenta, tão cansada, que ele parecia ter anos em cima, tantos anos que eram demais para contar. Olhou-a com uns olhos que buscam a razão, a razão do peso, a razão do seu lúgubre fardo e, depois, enterrou a cabeça no colo dela.
"Que se diz numa situação assim? Que lhe digo?", então enterrou-lhe a mão nos fortes cabelos negros e afagou-lhos em silêncio, falou-lhe por carinhos. Porque, por vezes, o silêncio carinhoso dum colo vale mais que mil palavras...


Borrega

setembro 04, 2009

Só para quem não sabe...



... a Borrega escreveu um texto para aqui :D





[Orgulho de irmã :')]




Pulga

Murder


O homem dirigiu-se ao fundo do quintal. Levava um saco de plástico na mão.

(...)

Acabou de acordar. A noite foi péssima, acordou vezes sem conta.
Põe os cereais a girar no microondas, enquanto diz bom dia aos seus meninos. Recebe quatro bons-dias em forma de caudas a abanar.
Olha então o fundo do quintal, "Como será que está a pré-mamã? Tenho de lhe levar água.", pensa.
Com um estalido sabe que os cereais estão prontos. Apressa-se a comer e acode ao fundo do quintal com um jarro d'água.
- Riona! Rioninha. - chama. - A dona traz água, linda.
Olha-a pelas grades da porta, demora alguns segundos a encaixar a imagem. já não há uma grande barriga, a cadela está, de novo, magra.
- Oh minha linda! - exclama, enquanto procura os cachorrinhos com os olhos.
Lá estão! Ao canto, numa pequena covinha, maternalmente cavada.
Entra, saúda a mamã, linda no pós-parto.
Despeja a água no recipiente e acorre aos pequenos.
- Posso? A dona só quer ver quantos cães e quantas cadelas. - pede-lhe.
Meiga e confiante, ela deixa-a pegar os seus pequenos.
- Cinco cães e uma cadela. São lindos pequena, lindos. - afaga-a no focinho.
As lágrimas caem-lhe pela face redonda.
- Desculpa. - pede-lhe por entre afagos. - Vão todos ver se sabem nadar. Desculpa, não podemos ficar com eles.
Riona, pobre inconsciente, não lhe percebe a triste expressão e, alegre, deixa os afagos, indo aninhar-se na cova, ajeitando os pequenos para perto das tetas. Dá-lhes de mamar.
"Como fica linda!", volta a pensar.
Corre até à cozinha, pega no telefone, liga ao pai.
- Ela já pariu.
Do outro lado da linha soa pesada a voz.
- Eu sei, vi de manhã.
- São seis, cinco cães e uma cadela.
- Cinco cães e uma cadela?
- Sim.
E a imagem dos pequenos crava um pouco mais na sua mente.
- Eu não os consigo matar! - diz sôfrega.
Abatido, responde:
- Tenho eu de fazer isso?
- Só tens dos por num saco, a mãe mata-os.
- O pai trata disso mal chegue.
Despedem-se, desliga.
Passado algum tempo, a mãe liga.
- Que vais fazer hoje à tarde?
- Arrumar a roupa, lavar a loiça e ir aos correios.
- Não podes por os cachorros dentro dum saco? - pede.
- Não! Eu não vou fazer isso!
- Tenho de ser eu a fazer tudo?!?! - atira cansada.
- O pai disse que fazia, já falei com ele. Eu não faço isso!!!
Desliga meio chateada, mas ela não quer saber. Não vai ser ela a levá-los para a morte.

(...)

O homem dirigiu-se ao fundo do quintal. Levava um saco de plástico na mão.
O homem vai fazer algo que detesta: armar-se em Deus, como o próprio diz.
O homem abre a porta, olha a pequena como quem pede desculpa, mal olha os pequenos rebentos, ensaca-os.
Acelera em direcção à mulher, tenta ignorar os pequenos gemidos e os sofridos latidos de Riona.
Entrega-lhe o saco, à mulher, ela que os mate, que os afogue, que ele só do que fez já não vai dormir.
E a mulher, forte como tem der ser, a vida assim a talhou, lá os afogou...
A filha, essa, a sentir-lhes o sangue nas mãos, triste, acudiu a pequena cadela. Encheu-a de afagos, pediu-lhe, de novo, desculpa. Prometeu-lhe não voltar a acontecer.
E, do alto do seu afecto irracional, a pequena cadela aos afagos cedeu.

Borrega

Créditos:
Música:
Papa Roach - "Getting away with murder"

Devaneio Sonolento

Tenho medo, não quero dormir sozinha hoje!
Tenho medo, não quero dormir sem ti hoje!
Não sei de que tenho medo, mas sinto-o e a saudade do refúgio dos teus braços acalenta-o.
A consciência, salvadora da minha parca sanidade, acorre a chamar as melhores e mais doces memórias.
Elas tolhem o medo, fazem-no tremer, fazem-no mingar. Eu começo a serenar.
Aconchego-me ao velho cobertor, penso em ligar. Ouvir-te, por mais diferente que a voz fique ao telefone, mas não. Não te vou acordar, não te vou fazer parar de sonhar.
Vou acabar por adormecer. Os batimentos acelerados vão acabar por esmorecer.
Com estes pensamentos, com esta razão, vou domando a ansiedade, vou matando-a.
Mais um pouco e vejo-te.
Mais um pouco e toco-te.
Mais um pouco e abraço-te.
Mais um pouco...
Adormeço...

Borrega

P.S.- porque neste momento queria colo...

setembro 01, 2009

Rifa-se um coração (quase) novo

"Vivo como um poeta e morrerei como um poeta."
Bob Dylan


"Rifa-se um coração quase novo. Um coração idealista. Um coração como poucos. Um coração à moda antiga. Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.

Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, meio calejado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões. Um pouco inconseqüente que nunca desiste de acreditar nas pessoas.

Um leviano e precipitado coração que acha que Tim Maia estava certo quando escreveu... "não quero dinheiro, eu quero amor sincero, é isso que eu espero...". Um idealista... Um verdadeiro sonhador...

Rifa-se um coração que nunca aprende. Que não endurece, e mantém sempre viva a esperança de ser feliz, sendo simples e natural. Um coração insensato que comanda o racional sendo louco o suficiente para se apaixonar. Um furioso suicida que vive procurando relações e emoções verdadeiras.

Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros. Esse coração que erra, briga, se expõe. Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões. Sai do sério e, às vezes revê suas posições arrependido de palavras e gestos. Este coração tantas vezes incompreendido. Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo.

Rifa-se este desequilibrado emocional Que abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto. Um coração para ser alugado, ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.

Um órgão abestado indicado apenas para quem quer viver intensamente E contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, defendendo-se das emoções.

Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário. Um coração que quando parar de bater ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas: " O Senhor pode conferir", eu fiz tudo certo,

só errei quando coloquei sentimento. Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer.

Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo. Um órgão mais fiel ao seu usuário. Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga. Um coração que não seja tão inconseqüente.

Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado. Um verdadeiro caçador de aventuras que, ainda não foi adotado, provavelmente, por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo.

Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree. Um simples coração humano. Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado. Um modelo cheio de defeitos que, mesmo estando fora do mercado, faz questão de não se modernizar, mas vez por outra, constrange o corpo que o domina.

Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e a ter a petulância de se aventurar como poeta."


de Clarice Lispector

Borrega
Agradecimento especial:
Café Margoso, por me ter oferecido esta delicia...