novembro 18, 2012

De ursos de peluche e super-heróis


Tomás é um pequeno rapaz de cinco anos. Hoje os pais quiseram trazê-lo ao rio. 

O pequeno Tomás tirou a roupa e pegou no seu pequeno urso de peluche e na mão da sua superprotectora mãe e correu para a àgua. Correu, que é como quem diz, que com a mão apertada da mãe e as pedras a espetarem-se nos pés, ele vai saltitando o mais depressa que pode.
O pai segue-os com um olhar enternecido e brincalhão. 
Assim que chegam à beira-rio, o pai convence o pequeno a deixar o Teddy em terra, que a àgua não é sítio para um urso de peluche. O pequeno cede, mas com algumas exigências - o pai vai ajudá-lo a mergulhar. Não que o Tomás tenha medo de mergulhar sozinho. Não, senhor! Mas  os ânimos dos pais ficaram muito mais apaziguados deste modo.
Tomás nada teme, porque os super-heróis nada temem. Sim, de noite, Tomás veste a sua capa e ao lado de Teddy enfrentam tudo o que dá medo - tanto a grandes crescidos como a crianças mais pequenas que Tomás.
Mas hoje, o seu pijama de super-homem, vai provavelmente ficar pendurado, pois o pequeno já vai bem aconchegado no mundo dos sonhos, depois da sua aventura no rio.

Pulga 
[a propósito disto]

novembro 11, 2012

K.

Toca-lhe na cara com as mãos molhadas, e encosta-se a ela como se ela a qualquer momento lhe fugisse da cama. Envolve-a com o seu braço e ela agita-se no seu sono. Não a quer acordar, ainda há tão pouco ela chegou e só têm estes bocadinhos para eles. Ele sabe que ela não tem tanta liberdade ou tempo como isso, para passar a noite com ele. Nem sequer de dia, caraças!
Sussurra-lhe palavras doces sem sentido ao ouvido. Ela faz biquinho com os lábios. Raios! Já está acordada. Encosta os lábios aos dela. Abraça-a e rebola para cima dela e volta a beijá-la, desta vez com mais intensidade. Passa outra vez a mão na cara dela, não está molhada, mas está gelada. Ela franze a testa, estica a mão na direcção da cara dele e ...




'Rrrrrrrr'
'Sim K., és o 'homem' da minha vida. Oh, que seria de mim sem ti, a acordar-me às..', faz uma pausa e olha para o relógio na mesa de cabeceira, '7h30.'
Passa a mão no lombo do gato, que se encosta e ronrona como um pequeno tractor. 
'Anda lá comer, gato do demo.' O gato ronrona ainda mais alto, se possível. Ela fita-o. 
'Ao menos, este seguir-me-á para sempre.' Pensa, enquanto esboça um sorriso.

Pulga

setembro 28, 2012

Prantos vãos ...

Oriana está sozinha no cemitério. Nunca lá gostara de estar com mais gente do que a que lá jazia. Sempre dissera que era dos vivos que se tinha que ter temor e não aos mortos.
Senta-se sobre a tumba de sua avó, encarando-a na foto preta e branca e sussurra:
- Estou cansada 'Vó, não dormi... Rezei-Lhe de forma tão irada.
Tira do bolso um papel amarrotado. Estende-o sobre a pedra mármore, deixando assim à vista as letras pelas lágrimas borratadas. Aclara a voz e lê num sussurro sôfrego:
«
Roguei aos céus
E caíste-me no caminho
Anjo Negro
Varreste os campos,
As tuas asas bem abertas, 
na esquerda as 7 pragas, na direita os 7 pecados.
Agora as colheitas são estéreis, secas, ocas, amargas.

Eu, 
estupefacta p'lo rasgo que me fizeste na carne, p'lo pranto que me embutiste nos ossos, 
enfureço-me contra os céus.
Que roguei por um anjo e tu foste demónio desviante,
Anjo Negro, Lúcifer de auréola disfarçado.

As contas do rosário já os meus dedos as sabem de cor.
Correm-nas vexados e amargurados, pois ainda queimam com teu suor.
E, de joelhos rezando, pego em fita de tecido benzido,
Uso-a de espartilho pra me suster as entranhas.
 Esta ferida é chaga amaldiçoada,
Sei bem que só espartilhada, nunca sarada.

Nos campos secos nasceu um cravo,
Eu, de cicatriz fingida com esta fita alegre benzida,
Pego nas alfaias pra semear.
Mas preciso que me guiem, pois já nem na simples enxada sei pegar.
»

Suspira, com se lhe tivessem tirado um fardo dos ombros. Dá uma festa ao retrato.
- Sim 'Vó, sei que o pão amena todas as tristezas. Que o vinho e a música animam até a mais trôpega das almas.
Sorri e troca as velhas flores da jarra por um cravo.

Oriana ...

Borrega

Créditos:
Música: PJ Harvey - The Dancer
Filme: Red Riding Hood
Imagem: daqui

setembro 12, 2012

Childhood Living

Há uns dias fui ao café, beber uma bica, como se diz na minha terra. Tanto a minha avó como a minha mãe, aliás como todos os adultos à minha volta, sempre me fizeram acreditar que o dito café que ia naquela pequena chávena era quase uma cura mística. Quantas e quantas vezes a minha avó me dizia: "Anda, vamos ali ao café, para a avó beber uma bica a ver se arriça.".
Esse costume ficou-me, adoro a minha bica depois de almoço ou jantar, muitas vezes também eu para ver se "arriço". E então, há uns dias, depois de jantar lá fomos nós.
Estavam várias crianças a correr pelo espaço, brincando entretidas, enquanto as mães desfrutavam de dois dedos de conversa e uma chávena milagrosa. Uma das catraias devia ter perto de dois anos, empurrava um carrinho de bebé, proporcional ao seu tamanho, entre a nossa mesa e a das mães, quando de repente se agacha ao meu lado.
Olhei para baixo, para ver se estava tudo bem e nesse momento vejo-a passar o dedinho curioso pelo meu pé, onde a sabrina deixava a descoberto um trecho da frase que tenho tatuada. Levanta o dedinho espantado e volta a passá-lo. De seguida, como que pressentindo os meu olhar, ainda agachada, vira a cabeça pequenina e encara-me curiosa.
Sorri. Ela levantou-se e empurrou o carrinho dali.


Borrega

Créditos:
Música: Rolling Stones - "Wild Horses"
Vocabulário: "arriça", "arriço" - espevitar, ganhar animo.
Imagem: achada algures numa das páginas que sigo no FBook

agosto 26, 2012

Inverno

Odeio o facto de teres "pézinhos de lã". Chegas do nada, meu Fantasma de memórias, e ligas a luz do que quero deixar lá bem no escuro. Assim vejo-te em todo o lado, quero-te em todo o lado, fico com o corpo enregelado.
Como é que algo se enraíza assim, desta maneira tão funda e sem fim, em alguém?
Como é que minto tantas vezes e me convenço tantas vezes que já não te amo e, do nada, num piscar de olhos, vergo sobre mim mesma a gritar por ti, a implorar pelo bálsamo dos teus braços?
Impressiona-me demais o tamanho do vazio que carrego. É por isso que me refugiei neste estado de não escrever (para quê vou ter sempre ao mesmo?), de não falar, de não gritar por ajuda, nesta mentira de que está tudo bem. Mas adivinha, Fantasma: O rei vai nu. E mais tarde ou mais cedo toda a gente vai ver, porque a mentira é um manto esfarrapado.
Mas até lá ando assim, a fingir que é Verão, quando apenas há Inverno em mim.

Borrega

Créditos:
Imagem: daqui
Música: Pearl Jam - Alive

agosto 07, 2012

Primavera

Uma criança puxa-lhe a barra do vestido. Olha para baixo, para aqueles olhinhos inquisidores e vivazes.
- Nana, o que é o amor?
Nunca lhe chamara avó, apenas "nana" e ela gostava, fazia-a sentir-se menos velha. Mas, como se explica a uma criança o que é o filho da mão desse sentimento que, seja carnal ou fraternal, nos arranca do chão, nos aflige o peito?
Um dia Alguém lhe tinha ensinado o que era...Então baixou-se, pondo os seus olhos cansados ao nível dos da vivaz criança e replicou:
- É mais do que ontem e menos do que amanhã.
Naqueles olhinhos aquietou-se a curiosidade.
- Entendes, pequena?
- Sim, então é o mesmo que a saudade.
E nela viu-se um sorriso antes de a sua cara se enterrar no cabelo da criança, para lhe depositar um beijo...

Créditos:
Imagem: Diane Arbus

julho 03, 2012

Músicas-que-não-se-devem-cantar-no-chuveiro #2

[Ben Harper - Sexual Healing]

Pulga e Borrega

junho 07, 2012

Cavaleiros da Mesa Redonda

Que não lhe tirem aquele abraço, aquela festa na cabeça e aquele beijo na testa. Que não lhe tirem as discussões concordantes, que acabam em gargalhadas, na mesa redonda. 
Que não lhe tirem os cavaleiros!
Porque no dia em que eles se forem, ela vai deixar a armadura sucumbir.
Os risos serão substituídos pelas lágrimas, os abraços e festas serão apenas fantasmas que não a trazem mais à realidade e a mesa redonda será abandonada. 
Sem argumentos. 
Sem vitalidade.

Pulga

maio 15, 2012

Portugalidades

O Portugal que tenho guardado é um que já mal se vê e que vai sobrevivendo apenas nas aldeias.
É o Portugal das mercearias, das barbearias e dos cabeleireiros nas traseiras duma casa, dos mercados semanais... o Portugal do Campino, do Forcado, do Pescador, da Varina e do Fado e da Fadista.
Nesse Portugal não se trancam portas e pede-se uma chávena de açúcar à vizinha, que se lhe paga com meia dúzia de ovos da nossa galinha poedeira, a contra vontade da dita vizinha que nada queria em troca.
Muitos lhe chamariam um Portugal provinciano, eu chamo-lhe um Portugal de Simplicidade.
Mas não é esse o Portugal destes dias.
Vive-se tão embrenhado no contra-relógio de se querer ser um país de primeira linha e no jogo de cintura dum país em cacos que não se olha para o lado, não se ajuda ninguém, não se sabe o nome da vizinha, por isso se não há açúcar bebe-se chá amargo e mata-se o meu Portugal Simples...
Também numa correria vinham duas cachopas, para tentar apanhar o autocarro, carregadas de compras. O motorista lá as vê e encosta na paragem. Quando uma delas dá conta que não tem dinheiro para o autocarro e a outra apenas tem para ela.
[Modernice de multibanco faz com que não andemos com dinheiro no bolso, hmpf !]
Então ela diz ao motorista que por favor a deixe ir, porque na paragem de chegada lhe dará o dinheiro. Ele deixa.
Ligam à colega de casa para que esteja na paragem com a moedinha que paga a viagem.
Não precisavam, porque discretamente um Senhor se chega perto delas e pousa uma pequena moeda no colo da cachopa, com um olhar complacente.
Estupefacta, a cachopa diz-lhe que não é preciso, que a colega estará à espera, ele recusa a moedinha de volta.
À saída põe-a no bolso do senhor com um "Obrigado" e a colega lá paga o autocarro...

E a cachopa, eu, tive a certeza que ainda se pode pedir chávenas de açúcar.

Borrega

Créditos:
Música: Amália Rodrigues - Uma Casa Portuguesa 

março 21, 2012

Músicas-que-não-se-devem-cantar-no-chuveiro #1

Mais uma crónica aqui para o cantinho que anda parado. Comecemos então com Rape Me dos Nirvana :


Pulga e Borrega

janeiro 28, 2012

Serious issues









Em jeito de resposta a este post da greeneyes

Pulga & Borrega

janeiro 23, 2012

Quando estou na solidão do meu canto, constipada até mais não, e olho as caixas de medicação dá-me medo. Medo daquela voz cá dentro que me diz «Toma-os todos e poderás descansar.».
É que a voz é tão alta que me apetece tomá-los só para a calar ...


Borrega

Créditos:
Imagem: daqui

janeiro 19, 2012

3



Ainda vamos a tempo de dizer 'Parabéns' a este nosso cantinho.



Pulga & Borrega

janeiro 15, 2012

Trocas & Baldrocas

Por vezes olho-te, na tua enorme pequenez, e penso que gostava que Deus me tivesse feito homem. Aliás Homem !
Gostava que Ele me tivesse, de igual forma, posto no teu caminho e que, qual mangá, após ficarmos melhores amigos, eu te tomasse nos braços, te olhasse nos olhos e te confessasse que te amava.
Sabes porquê?
Porque te olho, graciosamente pequena, e sinto que tu mereces alguém que te Ame, como eu Amo, mas que seja um Homem. E, por te Amar assim perdidamente e te ter visto desmoronar, nem sempre me apetece esperar que Ele mande Alguém para ti.
Quão lésbica devo soar ?!
Mas é a verdade.
Não porque te Amo carnalmente, mas simplesmente porque te Amo, gostava de ser o Homem para ti.
Não sou e Ele lá sabe o que faz. Então estou simplesmente aqui e vou caminhando neste nosso caminho entrançado.

"aparece uma fada
e como por magia
agita uma varinha
e transforma a noite em dia"

Borrega

Créditos:
Música: Boitezuleika - "Cão Muito Mau"
Imagem: daqui
P.S. - what about, one day, we take a picture like this?


janeiro 13, 2012

de mortos e vivos

- Alguma vez beijaste um morto?
- Porquê?
- Porque, volta e meia, tens os olhos vagos e os teus lábios gelados. Já beijaste um morto?
- Já.

[#Há um silêncio de estupefacção, que é rasgado por um suspiro dorido.#]

- Já beijei um morto e dos piores que se pode beijar, um que estava vivo. Quando tomas um corpo quente em teus braços e ele fica em rigor mortis... Quando lhe olhas nos olhos reactivos e ao cruzar com os teus eles vagam... Quando teus lábios tocam o desse corpo e nada acontece.
- É por isso que tens ar de viúva?
- Tu és directa, não és?
É.
E sabes do que tenho mais medo?
- Do quê?
- De que, daqui a muitos anos, quando a libertadora demência da idade chegar, eu grite pelo nome desse morto. Já que agora o recalco nos confins de mim.
E sabes qual é o mal de beijares um 'morto-vivo'?
Por muitos lábios que adocem os teus depois, e por muito que gostes desses lábios, vais sempre querer beijar aqueles lábios de gelo até que eles ganhem vida.

Borrega

janeiro 07, 2012

4. Dark Side on The Corner

Sentada no escuro, agarra o peluche. Para ela, o amanhã não existe. É apenas o hoje repetido. Só ela e o peluche. Porque o peluche a aquece, porque o peluche a olha da maneira que ele a olhava. Com mel nos olhos antes de a beijar, antes de se deitar ao lado dela, e passar-lhe a mão no cabelo, antes de lhe agarrar na mão enquanto exibia orgulhosamente nos passeios com os amigos. Tem saudades disso tudo. Tem saudades de ter saudades, da ansiedade de voltar para ele. Aperta o peluche enquanto as lágrimas lhe vêm aos olhos. Nalgum ponto da sua curta história confundiu saudades com depressão e agora não consegue sair do canto. 
A mãe bate à porta: 'Tens de comer, pequena.'
Pois tem de comer. E o que não percebe é que quando ela a deixou na berma da estrada, ela não chorou, ela comeu, e agora... Agora está a chorar que nem parva agarrada ao seu peluche de estimação, aquele que não teve coragem de lhe devolver juntamente com as outras prendas. E se alguém pergunta porque não, ela reponde sem sorriso, só lágrimas que é o que lhe resta do coração.
Depressão.

Pulga