março 14, 2009

Ela e "Qualquer Coisa"

Ele é qualquer coisa, como tudo na vida tem de o ser...
Um dia, ela encontrou esse “Qualquer Coisa”, ou ele encontrou-a a ela, não sei bem. No entanto, sei que, naquele mesmo instante, ela soube que ele estava ali para tomar conta dela, que, com o seu ar de querubim e atitude paciente, a aliviaria do angustiante e taciturno fardo que, por vezes, ela insistia, tola e imatura, em carregar e que apaziguaria o seu espírito apressado que, com tamanha azáfama de chegar (não sabia ela onde ao certo!), momentaneamente, abandonava seu corpo, deixando-o cadáver inerte e desesperado até ao seu retorno. Aquele “Qualquer Coisa”, serenaria os seus ímpetos de egotismo e iluminaria a macambúzia expressão que estava espelhada nas suas maçãs do rosto e que manchava o seu carmim doce.
Estendeu-lhe a mão e ela tocou-lhe com a ponta dos dedos, era cálida e sincera. Mas ela, mesmo sabendo que “Qualquer Coisa” era bom para si, não a agarrou num aperto forte e destemido. Porquê, pensou ela. E, com um piscar introspectivo, os seus olhos percorreram-lhe as vísceras em busca da razão dessa aparente recusa à felicidade que lhe era oferecida por aquela mão de toque cristalino. Não havia razão! Afinal, não era esse qualquer coisa, que ela recusava naquele ápice, aquele que dizem sempre faltar para se possuir a plenitude?
Acabou assim a sua psicanálise instantânea e voltou a abrir os olhos, “Qualquer Coisa” esfumava-se em frente deles que, incrédulos, buscavam a sua mão generosamente estendida. Ficou envolta numa nuvem, ainda mais cinza do que a que sempre a acompanhava e, de cócoras com os joelhos contra o peito que lhe latejava, ela lavou a alma até os seus olhos não mais aguentarem. Ela tinha tocado nesse tão almejado qualquer coisa e, por abalo face à áurea maré concedida, tinha-o deixado esvair-se-lhe por entre seus dedos.
Mais angustiada que nunca e com um som descompassado, mas incessante, a brotar-lhe e a ressoar-lhe no colo ferido, ela buscou-o por entre a nébula reinante. Tropeçou e tombou. Sozinha tentou, em vão, levantar-se e quando desistiu e se deixou ficar prostrada no chão, esperando que o frio e libertador aconchego da noite eterna se abatesse sobre ela, “Qualquer Coisa” reapareceu e estendeu-lhe, novamente, a sua mão. Desta vez, apertou-a com vigor, para não mais a largar. Então, seus joelhos fraquejaram, doridos da queda, mas os braços protectores de “Qualquer coisa” envolveram-na. Reparou então que o negrume agoirento que pairava em seu redor estava a dissipar-se e que uma pequena nuvem amarela tinha poisado perto dos seus pés.
“Qualquer Coisa” ajudou-a a subir para a nuvem, o seu olhar indagou se ela estava pronta para partir. Ao que o seu, agora translúcido e calmo, uniu em confirmação. Finalmente, e começando a elevar-se do chão, a nuvem levou-os, a ela e a “Qualquer coisa”, ainda com os dedos enlaçados, para longe daquele ponto de interrogação que a mantinha cativa.
O sol entrava pelas brechas dos estores... Ela, acordada por esses raios matutinos, espreguiçou-se. Os seus olhos pousaram então no corpo que dormia lasso e tranquilo ao seu lado. Sorriu, pois os seus contornos eram ainda mais belos à meia-luz que os subtis raios solarengos davam agora à divisão. Enroscou-se nele que, instintivamente, ao senti-la perto de si, a apertou protectoramente contra o seu corpo. Ao som pautado e constante do peito que lhe servia de almofada, voltou a dormir...

Borrega
P.S.- "This is a dedicatory song."

1 rugidos:

Margarida Tomaz disse...

Continuas a escrever bem. Espero que continues também a sorrir. As coisas do coração são para nos fazer sorrir à vida. Bons estudos e não esqueças o conselho de Ricardo Reis:

"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive"

Enviar um comentário