abril 20, 2009

Quando da minha boca brotaram torgas


“ Há muito já que não escrevo um poema
De amor” (...)

A minha voz soa longe, como se estivesse fora de mim. Eu estava de volta àquele momento em que, mucama queda daqueles olhos tão de céu, sentia cada milímetro do meu ser esculpido por um arrepio fervente. As maçãs do meu rosto luziam maduras e no peito sentia um tamborilar vigoroso e ininterrupto. E a minha voz prosseguia:
“ E é aquilo que sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.” (...)
Respirei, as palavras assentavam como uma luva no meu íntimo. Soavam, ainda distantes, mas pesadas, carregadas de tudo o que aquele eco tinha feito ebulir cá dentro... Como estava certo Torga!
“Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor” (...)
Em flash, todos aqueles momentos, bebedeiras de cristal, me correram pela retina e, com intensidade e paixão, proferi:
“... Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor”
As torgas que me brotavam dos lábios cessaram e a viola parou. Por detrás do emaranhado de caracóis, que me protegiam de todos aqueles olhos que eu sabia postos em mim, as rosetas coraram ainda mais. Enquanto ouvia o som da sala agitada, agradeci a Torga o poema que me tinha acabado de cravar na alma, espelhando-a, tão nua, mas tão sincera nas suas palavras que eu acabara de usurpar.


Borrega


P.S.- "I walk beside you"
"This is a dedicatory song"

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