junho 26, 2009

Drama Queen

‘Estou morta’ sussurrou ao telefone.
‘Então vai dormir. Amanhã falamos.’ Responderam-lhe do outro lado.
‘Não. Não estou cansada. Estou mesmo morta.’ Insistiu novamente.
‘Como?’
‘O sangue está a jorrar para todo o lado. Já não sinto as pernas, e daqui a pouco não sei…’
‘Quem te fez isso?’
‘Uns tipos quaisquer. Esfaquearam-me. Liguei para o 112.’
‘Mas como estás tão calma?’
‘O pânico já passou. A morte é inevitável.’
‘Tem esperança. Porque me estás a ligar? Poupa o fôlego…’
‘A esperança só vai depois de mim. O fôlego só desaparece comigo. E tu? Preferias saber que eu morri por um desconhecido?’
‘Não… Mas… Saber que não posso fazer nada para te ajudar… Saber que os paramédicos ainda vão demorar… Saber que não me posso dirigir a ti, agarrar na tua mão enquanto… ’ murmurou para si, ainda não aceitava, mas acreditava cegamente nela. ‘Ligaste-me só para dizer isso?’
‘Não…’
‘Então?’
‘Liguei para saberes aquilo que nunca verbalizei. Liguei para ouvir a tua voz. Para levar isso comigo. E por amor de Deus, não remoas nisto… São só palavras…’
‘Diz-me!’
‘Gosto-te… Muito…’
‘Parva. Eu sei…’
‘Não, não é isso… Não é só gostar, é mais… Mas não sei definir, então assim: eu gosto-te…’
‘É… Eu também.’
‘Obrigado.’
A chamada caiu, assim como a lágrima no canto do olho.
‘Desculpe.’ Abordaram-no.
‘Sim?’ sorriu como mandavam as regras de etiqueta.
‘Já ouviu?’
‘O quê?’
‘Aquele assalto ao laboratório? A poucos quilómetros daqui…’
‘Não… Que roubaram?’
‘Não sei, mas aparentemente há feridos…’
‘Graves?’
‘Ninguém me disse, mas acho que sim… Uma rapariguinha nova… Acho que a barricaram lá… Os paramédicos não conseguem entrar…’



Ele desmanchou-se a rir. Estavam deitados. Ela apoiada no braço dele.
‘Que drama!!’
‘Oh… Não valia a pena sobreviver depois de te ter dito uma barbaridade daquelas!’
, disse-lhe entre sorrisos.
Ele beijou-a. Ficaram frente a frente. Ela olhou-o com um ar inquiridor.
‘Tenho de aproveitar enquanto posso, não é?’
Beijou-a outra vez. Aconchegou-a. Daqui a pouco o momento de lamechice acabaria, e voltavam os dois às gargalhadas e brincadeiras.



Pulga

1 rugidos:

Anónimo disse...

provavelmente nunca nos declararíamos se não fosse a morte, e nem precisamos de uma morte real, física, por vezes basta simplesmente a morte de um ideal, de uma verdade, de uma crença.

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