Fechou então a pequena caixa florida onde tinha colocado tudo o que antes forrava as barreiras do seu mundo. Respirou fundo e dirigiu-se à cómoda, onde fez arder o incenso, que tanto a acalmava. Pôs a tocar aquela música, a daquele poeta marginal de voz eterna, que tem por fundo uma copiosa tempestade e deitou-se no tapete, onde gostava de se estirar para reflectir e divagar. Observou a panorâmica nevada da divisão, fechando os olhos logo de seguida.
Ela não tinha pedido para estar ali, não tinha pedido para ser arrancada do útero que a carregava, mas tinha pedido para crescer, para ser grande e percebia agora que, tal como lhe tinham dito, queria voltar a ser pequena. No entanto, o tempo não podia voltar a atrás. Sentia falta de ser pegada no colo e mimada, sentia falta das história antes de adormecer, sentia falta de quando achava que cair e esfolar um joelho era o pior mal que podia existir, sentia falta de quando achava que o mundo não tinha fim, sentia falta da pura ignorância, da ingénua criança que fora outrora... Queria tanto voltar a ser pequena!
A alva aurora da sua existência tinha sida tão calma, de uma doçura tão branda... Actualmente debatia-se para conseguir sobreviver no complicado mundo dos adultos, todo ele cheio “números, raízes quadradas e somas subtraídas, sempre com a mesma solução: nada”. Essa é a verdade, à medida que crescemos as responsabilidades, pressões e preocupações são tantas que começamos a não ter nada. Enquanto que, naquele tempo cândido e alegre temos a eterna novidade do mundo, uma curiosidade insaciável que nos povoa o imaginário com a ajuda, é claro, duma fértil imaginação e das maravilhosas histórias ouvidas. O mundo seria tão melhor se, ao crescermos, não matássemos a criança que temos em nós... Tudo seria mais simples, mais claro, tão menos malicioso...
Abriu os olhos, o quarto estava um pouco enevoado, devido ao incenso que se ia desfazendo em cinzas, tal qual o Homem que vai do ouro e se deixa corromper pelas chamas duma sociedade com princípios decadentes, acabando num pedaço de metal enferrujado e só.
Borrega
P.S.- to my Honey (bitchinho)
Créditos:
Músicas: The Doors - "Riders on the storm"
Toranja - "Carta"
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