junho 07, 2009

infância (alva aurora da existência)

Entrou no quarto, vinha enfurecida, coisas típicas de quem está na terrível fase das incertezas e descobertas... As paredes estavam “salpicadas” com posters, calendários, poemas, citações... Largou a mala e começou a arrancá-los, um a um, sem os danificar, pois, no fundo, eram pedaços de si, mas ansiava, desesperadamente, ver de novo as alvas paredes nuas, como ela estava quando era apenas feto, refugiado no aconchego protector do útero de sua mãe. Depois de alguns minutos de puro frenesim, lá estavam elas, límpidas e alvas, como a mente de uma criança, tão ingénuas.
Fechou então a pequena caixa florida onde tinha colocado tudo o que antes forrava as barreiras do seu mundo. Respirou fundo e dirigiu-se à cómoda, onde fez arder o incenso, que tanto a acalmava. Pôs a tocar aquela música, a daquele poeta marginal de voz eterna, que tem por fundo uma copiosa tempestade e deitou-se no tapete, onde gostava de se estirar para reflectir e divagar. Observou a panorâmica nevada da divisão, fechando os olhos logo de seguida.
Ela não tinha pedido para estar ali, não tinha pedido para ser arrancada do útero que a carregava, mas tinha pedido para crescer, para ser grande e percebia agora que, tal como lhe tinham dito, queria voltar a ser pequena. No entanto, o tempo não podia voltar a atrás. Sentia falta de ser pegada no colo e mimada, sentia falta das história antes de adormecer, sentia falta de quando achava que cair e esfolar um joelho era o pior mal que podia existir, sentia falta de quando achava que o mundo não tinha fim, sentia falta da pura ignorância, da ingénua criança que fora outrora... Queria tanto voltar a ser pequena!
A alva aurora da sua existência tinha sida tão calma, de uma doçura tão branda... Actualmente debatia-se para conseguir sobreviver no complicado mundo dos adultos, todo ele cheio “números, raízes quadradas e somas subtraídas, sempre com a mesma solução: nada”. Essa é a verdade, à medida que crescemos as responsabilidades, pressões e preocupações são tantas que começamos a não ter nada. Enquanto que, naquele tempo cândido e alegre temos a eterna novidade do mundo, uma curiosidade insaciável que nos povoa o imaginário com a ajuda, é claro, duma fértil imaginação e das maravilhosas histórias ouvidas. O mundo seria tão melhor se, ao crescermos, não matássemos a criança que temos em nós... Tudo seria mais simples, mais claro, tão menos malicioso...
Abriu os olhos, o quarto estava um pouco enevoado, devido ao incenso que se ia desfazendo em cinzas, tal qual o Homem que vai do ouro e se deixa corromper pelas chamas duma sociedade com princípios decadentes, acabando num pedaço de metal enferrujado e só.

Borrega


P.S.- to my Honey (bitchinho)

Créditos:
Músicas: The Doors - "Riders on the storm"
Toranja - "Carta"

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