maio 25, 2009

P.S.- Telmo

“Telmo, que te dói? Aliás, ainda te dói?
Via nos teus olhos a dor, a dor da indecisão, contudo ignorei-a. Depois a dor da decisão. Vi a dor de me dizeres que não e imaginei-te, depois de eu partir, prostrado no chão…
Como ficaste tu naquela manhã, depois de eu ter roubado a última réstia de mel que teus lábios tinham para mim? Como estás tu? E não me estou a referir ao típico “Tudo bem?”, quero mesmo saber, como sempre quis e tu sempre me respondeste, sempre me mostraste tudo.
Todos estão preocupados comigo, todos têm medo por mim, todos te condenam e quem tem medo por ti?
Choraste? Ficaste sem dormir? Tiveste vontade de berrar? Quem estava ai para te acarinhar, para te ajudar, para te iluminar?
Telmo, o amor, a paixão, foram eles que me impediram de te ver cair a tempo de te acudir.
É difícil estar confuso, eu sei, e deve ser difícil dizer que não há única pessoa que amaste. Quanto a isso não tenho a certeza, nunca te disse “Não.”, mas se tu me o fizeste foi exactamente por me amares.
Ainda me amas? Ainda me queres?
Eu ainda estou aqui… Eu sei, que de alguma forma, vou estar sempre aqui…


Saudades
Oriana

P.S.- Telmo, só magoamos as pessoas de quem gostamos.”



Mais um que guardou na caixa.


Oriana…

Borrega
Créditos:
"Só magoamos as pessoas de quem gostamos", citação, que de certa maneira desencadeou este texto, proferida por Zé (lool, a César o que é de César, neste caso a Zé o que é de Zé!=P).

maio 24, 2009

Escritos

“Tenho vestida aquela camisola. A mesma que tinha naquela primeira noite, a nossa primeira noite. Nessa noite, percebi o quão grande era o que sentíamos. Perdi a noção de onde acabava eu e começavas tu e foi assim todas as outras noites, tardes, todos os outros dias.
Numa noite, acabou, separamo-nos. Aí soube a dor de perder alguém. Delimitamos, ao fim de tanto tempo, onde acabava um de nós e começava o outro e cortamos. Quando cortamos, deixei metade de mim contigo e acredito que deixaste também um pedaço teu comigo. Foste das pessoas a quem mais dei, conheces-me de uma maneira quase plena, senão mesmo plena.
Não sei se também é assim contigo, mas a mim dói-me tanto os bordos por onde cortamos. Gostava de te poder ler isto, como te li tantas outras coisas, naqueles meus recitais que pareciam religiosamente deleitosos para ti….


«Não dizia palavras,
Aproximava apenas um corpo interrogante,
Porque ignorava que o desejo é uma pergunta
Cuja resposta não existe,
Uma folha cujo ramo não existe,
Um mundo cujo céu não existe.
Entre os ossos a angústia abre caminho,
Ergue-se pelas veias
Até abrir na pele
Jorros de sonho
Feitos carne interrogando as nuvens.
Um contacto ao passar,
Um fugidio olhar no meio das sombras,
Bastam para que o corpo se abra em dois,
Ávido de receber em si mesmo
Outro corpo que sonhe;
Metade e metade, sonho e sonho, carne e carne,
Iguais em figura, iguais em amor, iguais em
desejo.
Embora seja só uma esperança,
Porque o desejo é uma pergunta cuja resposta
ninguém sabe.


Luis Cernuda»

Oriana”


Telmo nunca lerá aquele bilhete e Oriana bem o sabe. Dobra-o e coloca-o dentro do envelope que fecha meticulosamente. Abre uma caixinha que tem sobre a secretária e junta-a ao já avolumado monte que lá está. Talvez um dia as mande. Talvez…


Oriana…


Borrega


maio 23, 2009

Dança das Sombras

Pés descalços, a beijarem aquele cheiro de chuva em tarde de Verão que ainda emanava do chão, Oriana dança em voluptuosas oscilações.
Antes o sol brilhava no céu e toda a dança era firme e decidida, era quente e colorida. Contudo, uma nuvem que passava, curiosa, parou para a ver e ali ficou. Então, a dança mudou, abrandou, até que os passos da moça cessaram.
- Porque me fazes isso? Porque me tapas a luz? - reclama Oriana.
Aí a nuvem chorou e, por entre as suas límpidas cascatas de lágrimas, respondeu:
- És tão linda, tão alegre, tão doce! A vida não é só sol, a vida é madrasta. Faço-o para que aprendas a dança das sombras, mais terra a terra, agridoce é certo, mas não menos linda. Porque à luz todos dançam, é preciso é saber fazê-lo no escuro.
Agora era Oriana que chorava…
- Fica, dançarei para ti. É o meu obrigado pelo aviso, pela devoção…
De olhos fechados, sentiu-se no fio da navalha, como se dançasse numa ponte muito estreita e estivesse perto de cair. Tinha medo, já não dançava para os tons dourados do fim de tarde, agora era a vez de dançar para os cinzas da vida. Percebeu depressa o que a nuvem lhe dissera, seria assim que ultrapassaria as eras taciturnas, dançaria.
Agora a dança era incerta, por vezes vacilante, como que decidindo o melhor passo, ainda era quente, continuava a vir-lhe da alma, mas já não era só colorida, mas também dorida, tornando-a assim realmente bela, realmente exuberante.
Aquele cheiro de terra molhada inundou-lhe o corpo, perfumou-lhe a alma.
De vez em quando, a nuvem lá chorava, feliz com tal oferenda. Até que o vento chegou, beijou os ouvidos a Oriana e esta quedou-se. Fora um beijo mais agridoce do que o costume, pois implicava a partida da sua nova amiga.
O vento, vendo-a parada e entristecida, sussurrou-lhe:
- Para haver sombra tem de haver luz. Por muito escuro que seja algo na vida, há sempre uma luz, daí ela ter querido que dançasses esta dança, a das sombras. Não deves dançar só para a luz ou só para o escuro. Ela agora tem de ir, fá-la partir feliz, faz-me a mim também feliz, dança!
Assim fez e, enquanto dançava para eles, ouviu espalhar-se pelo ar, num eco murmurado: “Obrigado, Oriana…”





Oriana...






Borrega
Créditos
Música: Eagles - "Hotel California"

maio 20, 2009

Saudades...

“Telmo…
Telmo é perfeito, dentro das suas qualidades e defeitos. Telmo é perfeito.
Tenho saudades dele, de como me sentia preenchida com ele, de como me sentia gente com ele por perto.
Ainda agora o defendo, ninguém entende ele já não estar comigo, ninguém entende. Ninguém tirando eu e tu.”
Oriana faz uma pausa, toma de um trago o seu café e molha os lábios na água. Enquanto isso, Alana não fala, apenas a olha perdida no pensativo fumo do seu cigarro.
“Quero-o tanto, dói tanto saber que não mais vou poder adormecer e acordar com ele. Que não mais terei aquele abraço protector quando estiver mal. Não mais sentirei aqueles lábios perfeitos, que eu, petulante, já considerava meus.”
Pára, sabe que está à beira de um ataque de nervos.
Alana começa a fumar outro cigarro. Olha-a com aquele ar de irmã mais velha. Sabe bem o que ela e ele sentem, a situação em que estão. Pousa o cigarro no cinzeiro e diz-lhe:
“Nunca mudes ou deixes de gostar daquilo que és. Tu és única, tens uma personalidade fantástica. E por muito que ele ou tu vivam, vocês vão ser sempre um do outro.”
Sorriem uma à outra.
“Não te vou mentir, hás-de chorar muito.”, diz-lhe enquanto sobe a manga da camisola para lhe mostrar uma corrente presa em torno do pulso, “Eu, ainda hoje, choro.”.
Oriana há-de viver, mas agora apenas quer sobreviver sem aqueles olhos, que para ela eram o mundo. Os olhos límpidos e verdadeiros do seu anjo, os olhos de Telmo… Sem os beijos de Telmo…

Oriana…

Borrega
"This is a dedicatory song": à Francisca, por aquela tarde, por me traçares a capa, por seres uma amiga, por simplesmente seres quem és.
Créditos:
Música: Pearl Jam - "Black"
Quadro: "O Beijo" de Gustav Klimt

maio 18, 2009

Carta a Telmo


«Escrevo porque sei que não lerás. É irónico, no entanto é o máximo que posso fazer para conter as lágrimas que ameaçam irromper de novo.
O dia raiou e como sempre acordei pela hora do costume, aquela em que pela última vez acordei contigo. Revirei-me na cama e dormi mais um pouco, foi só o que me apeteceu fazer.
Telmo, sei que vou ter que esperar bastante, estou disposta a fazê-lo, mas isto está complicado. Ver-te e não te poder tocar, quase não te poder falar, aliás aquilo não é falar, são meia dúzia de grunhidos soltos.
Deixo-te em paz e tu continuas com aquela cara desconfortável, pensativa. Dói de tão grande que é a vontade de voltar atrás e te abraçar.
Hoje não consigo ouvir ninguém, falar com ninguém, o meu corpo pede-te, agonia com a tua ausência, com a tua dor (sei que a tens). Ele parece que não aguenta esperar por ti, mas ele espera, porque é teu.
Talvez toda esta confiança na tua volta seja disparate, contudo eu sinto-a e ela, as saudades, o amor, o desejo, a amizade, a paixão e tudo o que sinto por ti são o que me corre nas veias, mais do que o meu próprio sangue. Só queria a tua voz a dizer ao meu ouvido, num gemido sussurrado, “Oriana…”.
Será que todos os domingos e manhãs de segunda, nossos momentos semanais por excelência, vão ser assim?
Diz-me por que raio te vais embora, mas cada vez que me vês dá a ideia de que, se não te obrigasses a isso, me agarrarias ali mesmo?
Se calhar é de mim, são os meus olhos que vêem nas tuas reacções aquilo que desejo.
Tenho tantas saudades. Só me apetece a tua voz, o teu cheiro, o teu jeito único e ninguém mais o tem, ninguém.
Porque havias de ser único?
I walk beside you
sempre e para sempre

Oriana»


Pousa a caneta.
Relê o que acabou de sôfrega e chorosamente escrever. Tem alguma dificuldade devido às manchas provocadas pelas lágrimas, mas lá acaba.
Volta a ler e, do nada, rasga a carta e atira os pedaços ao lixo.
Com os braços sobre a secretária a sua cabeça mergulha neles a divisão é invadida pelo pranto incessante daquela menina mulher.
“Será que ele não vê? Será que ele já não quer mesmo saber? Será que, no fim de todo aquele tempo juntos, ele ficou com a mínima noção do que é para mim?”, são as perguntas frenéticas que lhe fluem pela cabeça enquanto chora.
Oriana pecou, vergou às saudades e chora.

Oriana…


Borrega

Sorrisos


Ainda sentia as mãos quentes. O cheiro de tabaco e álcool ainda estavam bem impregnados nas narinas. O calor que saía dos lençóis era demasiado real para ser ilusão, não era?
Ele ainda lá devia estar. A agarrá-la, como se fosse distante o tempo em que se voltariam a ver. Envolvendo-lhe a cintura e apertando-a contra ele, de modo a estarem o mais próximos, colados mesmo.
Ela volta-se para ele, ainda faltam poucas horas antes de o despertador tocar, através das fendas da janela que pouco iluminam o quarto, observa a face inocente e sorridente dele. ‘De que te ris?’ pergunta-se.
Ela precisa dum pouco daquela felicidade. Daquela segurança. Aproxima-se como para sugar. ‘Só um pouco’ sussurra de modo a não o acordar. E aí cede aos seus lábios. Ele ri-se. Já estava à espera. Corresponde-lhe a todos os toques, a todos os beijos fugitivos.
Afastam-se e ela ri-se em gargalhadas, enquanto ele a aperta e ela se deixa apertar. De olhos fechados ele continua-se a rir. Até ficar apenas o sorriso.
E enquanto ela o observa através da pouca luz. O sono volta a invadi-la. A resposta ao sorriso dele é quase óbvia… Deverá ser pela mesma razão que ela agora sorri: ‘Porque só tu me pões com aquele sorriso de menina e me abraças como uma criança.’ Murmura-lhe. Ele assente com um sorriso maior. Mais um beijo fugaz e ela adormece sobre o seu ombro. Daqui a pouco acordarão da mesma maneira.


Pulga

maio 17, 2009

Preto/Branco

Larga o telemóvel, memorial de tempos idos, de juras antigas.
"Mais escura e num lado mais clara...", escrevera-lhe ele. Lembra-se perfeitamente daquela noite, depois de uma ida intimista à China, a despedida para as férias de Natal.
O sofá confortavelmente aproximado à lareira, ela com a cabeça no ombro de Telmo. Os braços dele envolviam-na, como as chamas faziam aos pedaços de madeira, condenados a cinzas.
Suspira, fazendo voar para longe as cinzas da lembrança.
"Estou dividida, como naquela noite, tenho dois lados, sou duas pessoas, mas, tal qual a dita noite, esses dois lados querem a mesma coisa: ele!", conta Oriana à almofada que abraça.
A almofada foi feita pela mãe, há muitos anos atrás, tem a forma de um coração e ela abraça a sua simbólica e inanimada confidente.
Prossegue: "Sou amiga dele, sei que ele está a passar uma fase difícil com tudo isto, que precisa que lhe afaguem os caracóis, que o apoiem e quero ser eu esse amparo. Sabes que sou protectora com quem gosto e não suporto saber que o Telmo sofre e não posso ir lá..."
Como que esperando um "Porquê?" vindo da sua amiga, parou para respirar um pouco.
"Não posso ir porque o meu outro lado é o de mulher, mulher que quer desesperadamente aquele homem que ali está. Controlo muito bem esse lado, não seria esse que lá estaria se eu o fosse apoiar, mas ele saberia que ele lá estava, amordaçado e recalcado, mas lá!"
O silêncio no quarto era apenas perturbado pelo som das árvores, lá fora, bailando com a brisa do fim de tarde.
Largos minutos mudos correram até que Oriana se separou um pouco da almofada e a encarou, como se ela lhe dissesse "Vai na mesma!".
"Não posso, mais do que apoio, ele precisa de espaço e tempo para ele mesmo!", concluiu e voltou a abraçar a sua ouvinte.
"Preto e branco, escuro e claro, sou como o yin yang. Tenho um principio activo e outro passivo, neste caso, o passivo (yin) tem de ser o meu lado de mulher, apesar de este partilhar a preocupação por ele com o activo (yang)!"

(...)


Fecha os olhos e sorri, sem saber bem porquê, lembra-se da conversa com o Filipe, amigo e apoio para a vida:
- Ele necessita do espaço dele, para experimentar as coisas dele e bater com a cabeça - disse-lhe.
- E se ele bater com a cabeça e voltar atrás? Onde estás tu? - indagou ele.
- Eu estou aqui, sabes bem que estou aqui e não arredo pé!

Oriana...


Borrega


maio 15, 2009

Embalada em memórias tuas...

Está deitada na penumbra. Abraçando o seu frágil corpo, pretendendo aplacar a dor lancinante que o assola.
Numa repentina e enérgica inspiração tenta afastar aquela sensação. Os seus pulmões, dormentes e repousados assustam-se e reclamam que retorne à languidez. Tenta fazer o que eles lhe pedem.
Não é bem uma dor, é mais uma ânsia desmedida de algo. A sua pele queima, ávida por um toque. É isso que é aquela sensação, é o desejo e a saudade do toque dele.
Suspira…
“Apetecias-me tanto…”
E perdida em memórias, Oriana adormece, saudosa mas serena.

Oriana…

Borrega

maio 14, 2009

Magia Académica

26/02/2009

Hoje ela foi vê-lo. Não estive lá para a acompanhar, mas sei que ela ficou linda, com aquele ar de desenho animado fofo que a caracteriza. Sei que lhe assentou bem.
Quero ser a primeira a vê-la, afinal é quase como me ver a mim própria, só que mais luminosa e alegre, mais viva...
Ainda me lembro quando a senhora da Loja Académica me assentou a capa nos ombros, naquele momento, quando me olhei no espelho, senti-me gente.
(...)


14/05/2009


Monumental Serenata... Trajar... Capas a serem traçadas...
E sim, eu estava certa, a minha mana fica uma bonequinha trajada...




Saudações Académicas
Borrega






P.S.- a todos os caloiros de 2008 e sobretudo à nha bonequinha...

Nota:

Oriana, num movimento confiante, volta a repor as chaves onde elas pertencem: no seu porta-chaves.
Tirou-as num gesto impensado, num gesto que, em grande parte, tinha resultado de concelhos externos, de pessoas que muito a gostam e prezam, mas que não a entendem, não completamente.
Não tem vontade de chorar agora, apenas ri, leve pela longa e variada conversa com ela. Ela é uma amiga, gosta mesmo muito dela, apesar de a conhecer há tão pouco está-lhe muito grata, gosta-a muito e ela é das poucas que a percebe...
A tarde foi longa, sabe que a noite também o será e também sabe que acordará, religiosamente, por volta das 7.15h da manhã (maldito relógio biológico!), voltar-se-á na cama e dormirá mais um pouco até o despertador tocar.
Hoje gosta um pouco mais do ser híbrido e impetuoso que é, agradece ao seu pai e à sua mãe. Oriana sabe-se e sente-se diferente e agora confiante no futuro, já o vislumbra, já não há névoa.
Está com muito sono e sob o efeito de dois cafés, custa-lhe manter uma linha recta de raciocinio, mas para ela esta nota faz sentido, embora ainda não tenha dito o que quer.
"Respira fundo catraia!", impõe a si mesma.
"O que queres dizer com tudo isto é que, ao devolveres as chaves ao sítio delas, estás a caminho de tentar o equilibrio. É isso!", conclui...
Está extenuada e tem de estudar, tem mesmo.
E vai fazê-lo, mas não sem continuar a dar o seu grito de revolta, de vida, de fénix, que pretende incessante: "I still alive!"

Oriana...

Borrega
Créditos:
Foto: Eddie Vedder
Músicas: Pearl Jam, "Black" e "Alive"

maio 12, 2009

Vendada...


" Devemos habituar-nos a isso: nas mais importantes encruzilhadas da vida, não existe sinalização." (Ernest Hemingway)


Não esperara aquilo, não esperara nada daquilo. Agora, a única coisa que espera é que o vento lhe traga a resposta.
Oriana sente-se como se a tivessem vendado: anda às apalpadelas, tentando ficar de pé, mas já arranjaou umas quantas nódoas negras. Não estava preparada para aquilo, para aquela subita e tão abrupta mudança de direcção.
Ouve os risos, pensa como os seus estão distantes. Não é que não ria, mas agora não sente, os seus lábios auto impoem-lhe aquele sorriso, para não preocupar mais os outros.
"Rio por fora, choro por dentro. Talvez seja hipócrita para comigo, mas não preocupo ninguém.", disse a uma das amigas que mais preza.
Já não sente a música, já não sente a comida, já não sente a chuva ou o sol, já não sente nada como sentia antes. Já nada é tão intenso como antes, só o vento...
Quando o vento certo vier, murmurar-lhe-á ao ouvido com o tom doce e grave de um anjo. Nesse momento, o momento em que a sua resposta chegar, a venda que lhe cobre os olhos, agora baços e pardacentos, cairá e talvez volte a ter rumo certo, talvez volte a sentir a intensidade das coisas...
Ouve os risos de alguém, os passos de alguém, mesmo vendada sabe que não os deve seguir, que não são os passos que deseja, o riso de que tem tantas saudades... Vai no sentido oposto, tactea até aquelas escadas de pedra, santuário de outros tempos mais luminosos, senta-se. Reza ao vento pela resposta, implora-lhe por ela.
Ele responde: "Ainda não tenho a tua resposta."
Afaga-lhe a face e com a sua voz de ancião despede-se com um doce e paternal:

"Oriana..."


Borrega

maio 11, 2009

Blowin' in the wind*


Agora que a saudade é tudo o que tem... Mente, a saudade e a lembrança são tudo o que tem. Então, agora que só as tem a elas, parece que foi há muito tempo, parece que foi tudo há uma eternidade.
Estavam um rapaz e uma rapariga sentados numas escadas, à noite. A rapariga, ela, envergonhada, tinha a cabeça enterrada no ombro dele e ele, não menos sem jeito, mas determinado, enquanto lhe acariciava a face, removia-lhe a cortina de caracóis que a ocultava.
Beijaram-se...
Naquela noita, após a longa despedida, nenhum deles se queria largar, ela mandou-lhe mensagem (tecnologias!), estava feliz!
A meio da "conversa", ele confessou:
- Sabes, tinha medo. Mas agora passou a ser o meu vício.
- Medo de quê?, indagou espantada.
- Não sei, de tanta coisa... Que não gostasses, ou que não quisesses, sei lá... Mas esse medo desapareceu logo quando nos beijamos...
Também ela tivera medo, dissera-lho, mas não mais teve medo. Mente de novo, teve, mas, enquanto ele lá estivesse, ela superaria tudo.
(...)
Um dia, acabou.
Um pedaço dela continuará sempre naquelas escadas, à espera que o vento lhe traga a felicidade de volta, que o traga de volta, porque, tal como diz a música:


"The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind."



Borrega




Créditos:
Foto: Patti Smith
Música: Bob Dylan - "Blowin' in the wind"


maio 10, 2009

Sensações


Sentiu uma ligeira pressão na perna. O telemóvel estava direito em cima da mesa escondendo a última mensagem dele, recebida. O mp3 envolto ao longo do pescoço, qual laço para a sua forca. Então a leve pressão na sua perna, não deveria ser nada, não podia ser nada, contudo ela sentia-a cada vez mais forte… Olhou fugazmente enquanto a música ressoava. Era como uma mão a acariciá-la. Mas não, nada.
Passou a mão e a sensação passou. Não voltou. E então soube. Ele podia não estar ali, mas estava a pensar nela. E então ela dedicou-se a fazê-lo orgulhoso dela.


Pulga

Chanel nº 5

Pulga e Borrega

Lágrimas de papel

"Não faças nenhuma parvoíce.", implorou-lhe.
E os seus olhos quase pareciam aqueles que, até há tão pouco tempo, ardiam por ela. Então assentiu:
"Não farei, prometo."
Oriana prometeu, prometer-lhe-ia tudo quanto ele lhe pedisse, até o impossível. Então continuou a tentar comer, mesmo parecendo que a cada dentada que dava na comida esta se recusava a precorrer-lhe o esófago, embora parecesse que a vomitaria no momento seguinte. E agora não chorava, apenas escrevia. As folhas eram cheias, cheias das suas lágrimas que ela não queria deixar cair, eram lágrimas de papel.
Ela ama-o. Ele foi, é e será sempre o primeiro, mas, acima disso, respeita-o enquanto pessoa, zela pela amizade que lhe tem e que não quer perder, por isso, cumprirá a sua promessa.
Está devastada, um tornado virou o seu mundo de pernas para o ar. No olho do tornado estava ela mesma, a comanda-lo. Como tinha conseguido deitar a baixo o seu próprio conto de fadas?
E uma lágrima escorreu-lhe pela cara.

Oriana...


Borrega

Sonhos...

São vidros, cacos aliás, que alcatifam o chão da divisão mal iluminada em que está. Duas pequenas velas são as únicas fontes de luz e o ar é povoado pelo som dos cacos a esmigalharem sob seus pés.
Trá-las calçadas, foi ele que lhas deu. Trá-las calçadas como espera que ele tenha as dele... Naquela divisão de tantas noites, os cacos são o que restam dos seus sonhos, dos sonhos deles dois juntos.
Pára, de repente, perto da cama, a cama de tantas entregas e confidencias, algo lhe chamou a atenção por entre os cacos.
Cai de joelhos, sangram, ardem, doem, mas isso não é mais do que a expressão física do que lhe vai na alma. Pega no que lhe chamou a atenção: um nó cego... Apertou-o contra o peito, cheirava a ele. Beijou-o, sabia a ele.
Ergueu-se, os joelhos rubras gotas choravam, caminhou para a rua, misturou-se com as gentes, que no seu fluxo sem fim a guiaram até casa. Caiu na cama, manchou-a de dor e dormiu, agarrada ao nó, sonhando com aquela divisão e com ele antes dos cacos.
Fora tão feliz!


Borrega

maio 09, 2009

Dor

São facas, facas de pontas afiadas, que me espetam de dentro para fora, que me rasgam as vísceras, que me dilaceram o âmago.
Facas, são facas. O que me custa ainda mais que a dor destas facas que querem eclodir, é saber que as facas são minhas, sou eu que me rasgo, que me apunhá-lo, sou eu que erro...
São facas com lâminas de dor, que picam no peito. Lâminas de dor que me queimam na pele.
São facas que me torcem o estômago, que me turvam os olhos.
São facas e pior são minhas as facas e elas também te magoam.

Borrega
P.S.- Espero que um dia me perdoes...
I walk beside you

Calçada

Na sua cama de dossel, uma princesa dorme, quente e aconchegada. Essa sua linda cama de dossel fica na torre mais alta dum enorme castelo encantado, longe de todo o mal, imundice e miséria.
Um carro passa por cima de uma poça, a água achocolatada aterra em cima de um monte disforme na calçada. O carro já passou, não viu o que ficou. Não viu o monte tomar forma e tornar-se um farrapo de moça.
Está ainda mais desorientada que costume, sonhava que era gente e foi acordada, a cama de dossel era de novo a calçada.
O carro não teve cuidado, o carro passou e nem viu. Mas também ninguém vê! Ninguém lhe estende a mão, ninguém a ergue do chão, ninguém a ajuda a subir de novo à sua torre...



Eu (Florbela Espanca)


Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...


Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino, amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!


Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...


Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!


Borrega


P.S.- Ana Cláudia este texto é-te dedicado...

maio 08, 2009

Farrapos duma rebelião

“A distância é uma coisa relativa.”... Ou não! A distância arrasta com ela a saudade e dou por mim deitada no escuro a violar até às entranhas toda e qualquer recordação daqueles momentos que vivi. Enquanto penso nisso, continuo deitada, o meu coração palpita desenfreado e eu começo a divagar sobre mim mesma.
Quem sou eu afinal? Sou um sem fim de contradições. Sou doce e amarga, sou segura e insegura, sou forte e fraca, sou feliz e infeliz... No fundo, acho que sou um desperdício. A minha alma fervilha e eu não sei que fazer com tudo o que sinto. Na realidade, tenho demasiado receio de desiludir e perder quem amo, tenho medo de estar só. Penso que vivo demasiado certas coisas, sinto-me constantemente angustiada e perdida...
Não sei bem de onde me está a sair este texto, se do fundo do meu estômago nauseado pelo medo de sofrer e ficar só, se do fundo do meu coração imaturo, palpitante, apaixonado e condenado a sofrer.
No entanto, estou a achar um pouco egocêntrico e narcisista estar a escrever sobre mim, mas ultimamente, desde que deixei aqueles olhos meigos lerem-me a alma, tenho posto em causa, ainda mais e repetidas vezes, quem sou, no que me estou a tornar e se gosto disso. Será que tomo as atitudes certas? Será que não vou desiludir as pessoas de quem gosto como me desiludo a mim mesma frequentemente? Começo a concluir que amo com intensidade a mais, entrego-me e envolvo-me demais. Tenho receio de ser demasiado “extremista”, ou dou tudo ou não dou nada, não consigo dar-me pela metade. Temo que este “extremismo” que me está inerente ganhe ânimo próprio e, um dia, me consuma a alma. Talvez isto passe com a idade...
Escrevo isto num colchão, no chão do quarto do meu irmão (faz demasiado calor para dormir no meu). E, enquanto ele está a ver televisão, eu estou aqui, sozinha a sentir-me tão frágil e “quebradiça” como se tivesse sido mergulhada em azoto liquido. É complicado explicar-me, mas sei que o meu âmago é por vezes varrido por impetuosos furacões e tempestades tropicais.
Sinto um nó na boca do estômago, um calor e um arrepio percorrem, em simultâneo, o meu cepto cardíaco. Acho que isto é o resultado de ter baixado a guarda e me ter deixado perder naqueles olhos que me idealizavam tanto. Agora só vejo ainda mais nitidamente a fossa abissal que existe entre quem sou e quem quero ser. Sou tão mais fraca que aquele platónico eu.
Faltam-me as forças e a minha pena começa agora a fraquejar. Não sei bem que escrever mais, este é o reflexo dos farrapos que sobraram da minha última rebelião interna. Sei que não fiz grande sentido, no entanto eu sou assim, desnexada, aluada e uma eterna enamorada pelos meus sonhos utópicos de perfeição e felicidade que guardo do lado esquerdo do peito. Lado esse que esta dilacerado pela saudade que agora sente, dilacerado pela adolescência...
É difícil ter 17, é difícil ser eu...

Borrega
P.S.- Nesta noite, há um ano e pouco atrás, tu estendeste-me a mão, mesmo a 300 e tal km de distância, tu estavas lá... Peço-te só uma coisa, não me negues a tua mão agora...
Por favor, continua a caminhar ao meu lado...

maio 07, 2009

Carta de aniversário

Ela está sentada, encara a folha branca e a caneta, pousadas na secretária caótica do seu quarto, não menos caótico.
Hoje vai escrever para ele, não é como o resto que escreve, isto não é mais um texto sobre ele que lhe dedica, é mesmo para ele, para que ele guarde, para que ele lembre, para que ele saiba o que é para ela.
Pensa o quão estúpida deve parecer ali, a fitar a folha branca, bastava dizer-lhe, aliás, ele já sabe.
Contudo quer ler-lhe, como lhe leu tantos dos seus rabiscos por telefone, naquelas noites infindáveis, naquela distância intransponível...
Respira fundo, pega na caneta e começa tudo a correr-lhe a cabeça. Cada olhar, cada riso, cada toque, cada conversa, a amizade a crescer, a cumplicidade, o apoio, a paixão...
Sabe bem que lhe lerá aquilo vermelha como um pimentão, que tremerá e que talvez até deixará escapar uma lágrima ou duas...
Termina. Pousa a caneta exausta. Já está, vai ser assim que lhe dará "parabéns".

Borrega

P.S.- "I walk beside you"
"This is a dedicatory song"

Porto Seguro

A menina pequena caminha, triste e perdida, sem rumo à deriva. Correu para lá, para onde ele a tinha mandado. Encontrou a porta fechada, encontrou falta de tempo para o seu choro, encontrou tanta indiferença como em qualquer outro lado.
Uma vez dissera-lhe "Quando estiveres mal, das duas uma, ou me chamas ou corres para cá!". Já não vem até ela, mesmo quando o chama, o seu porto seguro não ruma incondicionalmente até ela... Então resolveu ir ela até lá. Caminhou pelas ruas escuras e frias e deparou-se com a porta fechada.
Desde quando o tempo do seu porto de abrigo para ela funcionava por marcação?
Encolhe os ombros miúdos e exaustos, sozinha sentada num passeio. Não sabe a resposta. Não se deu conta disso, mas já que é assim, pega no telemóvel e implora-lhe uns minutos amanhã.
Implora-lhe, tal como implora às lágrimas, que agora lhe escorrem pelas rosetas pueris, para se guardarem para amanhã.


Até amanhã...


Borrega

maio 06, 2009

Flor

Nunca fui flor que se cheire, talvez por isso vejo bem por entre as gentes quais são gente da minha laia. Somos farinha do mesmo saco, geneticamente iguais.
Apesar disso, gosto de pensar que Deus teve misericórdia de mim, transpiro gene aranha. Contrario a minha má farinha com valores marcados, com amizade incondicional e protectora, com respeito e humildade.
Aviso as pessoas dessa gente quando ela se aproxima sorrateira. Avisei-a com o meu olhar exasperado, naquela noite, mas ela parecia hipnotizada por aquela hera daninha que ondulava, qual serpente pronta para a investida. Tola, tantas vezes choraste, tantas vezes engoli a vontade de te proteger.
Ontem a hera serpenteante meteu-se com alguém meu de novo. Não engolo mais, não gosto de gente assim, por algum motivo me domestiquei. Ser assim é mau demais.
Aquela hera hipócrita e egocentrica não mais disseminará tristeza no meu jardim.
Não engolo mais. Vou libertar esta tensão de uma vez, num movimento ágil vou arrancá-la do solo.


Borrega


(gene aranha - piada familiar)

Cartas a Ninguém


[Vila Real, 06 de Maio de 2009, Quarta-feira
Algures na cozinha perdida em papéis e apontamentos]


Hoje escrevo-te. Escrevo-te a ti que não me conheces. Escrevo-te a ti que nunca tencionaste conhecer-me. Escrevo-te a ti que nunca sonhaste sequer aturar-me.
Trato-te por tu, porque no final desta escrita destinada a ti, irás ter um bocadinho meu em ti. Portanto farei parte de ti. Começarei a habituar-me aos teus hábitos. Criticar-te-ei quando pensas se estás a fazer o correcto. Duvidarei quando estiveres cheio de certezas.
Mas hoje escrevo-te porque estou feliz e sinto-me mal por isso. Hoje escrevo-te porque o mundo está a desabar à minha volta, mas não consigo de deixar de sorrir. Escrevo-te sobre a futilidade em que está a minha vida. Em que aquilo que eu queria crer que eram emoções fortes não passaram de meras ilusões obsessivas.
Acordei feliz. Revoltei-me. Continuo feliz. Há pessoas que me deixam assim, apenas com dois dedos de conversa de autocarro. Feliz.
Amanhã quando os vir novamente sorrirei largamente, porque ainda terei presente na memória, a nossa breve conversa.
Hoje escrevi-te, porque apesar de me sentir fútil, hoje estou feliz, porque te escrevi.


Pulga

(re)Nascer

De olhos fechados, Oriana vê aquela menina vivaz, aos pulos. Mimada e feliz, mimada e risonha. Depois nasceu aquele pequeno bebé, agora tão crescido, e ela passou a feliz e risonha, tão menos mimada e tão mais protectora.
Teve alturas escuras, tão escuras, mas agora sabe que foi só até germinar, foi só para a semente da sua infância dar origem a uma bela mulher flor nesta primavera quente.
"Todas as vezes que murcho, que vem algum contra-tempo, é como se fosse a geada a queimar-me, contudo depois nasço de novo, ainda mais forte que antes.", diz para o quarto, ouvinte desarrumado de tantas vezes.
É flor delicada e forte, como uma rosa, pé espinhoso a proteger botão de vida tão frágil. Oriana está viva e recomenda-se, já germinou de novo, já é ela de novo, já sente a vivacidade da menina saltitante a pulsar nas veias.
Oriana, força em seiva bruta, delicadeza em seiva elaborada, flor pronta a ser colhida...


Oriana...

Borrega
P.S.- "This is a dedicatory song":
* Prof. Margarida: obrigada pelo apoio, pelo adubo da confiança, pelo carinho e amizade.
* Nuno: podia agradecer-te tanta coisa, devo-te tanto em tão pouco tempo, mas acho que basta dizer "Um beijo na testa.".
* Ana Claúdia: És toda minha, mesmo sendo apenas um quase gomo, para mim és como um gomo inteiro.
* Ana Filipa dos Santos Condeço: Tu és tu, tu és aquela que até antes de a flor germinar já acreditas na sua beleza...
* Jorge: I Walk Beside You, sempre...

Poço


Enfrentou-se com a imagem no espelho. Não conseguia crer. Esticou a mão, e tocou com a na gelada superfície. Retirou rapidamente a mão. Sim, era mesmo a imagem dela. Fria como só o seu coração conseguia ser.
Lá dentro alguém que lhe prometera nunca a abandonar desabava, e ela estava ali, a enfrentar o espelho, a arranjar desculpas para o facto de não estar lá dentro, para o facto de pura e simplesmente não se forçar a falar.
‘Tudo irá melhorar. Tudo irá assentar. Voltar ao normal.’ Tentava concentrar-se nos pensamentos positivos. Outros pensamentos rancorosos lhe surgiam. Para variar, deu-lhes razão. Assentia enquanto os tentava abafar. ‘Voltar ao normal.’
Enquanto se encaminhava para os soluços, sentia mais uma vez o chão a escapar-lhe. A cada passo que dava afundava-se num poço. O poço estava a chegar ao fim. Como era confortável lá voltar.
Por ali ficaria até o egoísmo total desaparecer. Por ali ficaria até que todos se comportassem para com ela como ela se portava para com eles. Quando chegasse a altura, um sorriso rasgaria a superfície. Para trás ficava o seu poço, aquele a que mais cedo ou mais tarde ela se aconchegaria…
‘Até à próxima.’ Despedia-se do amigo de longa data, do amigo isolado. Despedia-se do amigo solitário. E afastava-se enquanto o seu coração gelado derretia às pingas.


Pulga

maio 05, 2009

Quarto...

Oriana sobe e desce, tem alturas em que a montanha russa da vida pára lá em cima e ela anda nos píncaros, outras ela insiste em empanar cá em baixo.
Deve estar a sonhar com um desses momentos áureos, em que está lá em cima, pois sorri no seu sono menineiro. Os livros, esses estão largados num canto da cama, devia estar a estudá-los, mas dorme leve e feliz...
Oriana está cansada, não tem uma boa noite de sono há algum tempo, demasiadas preocupações. Não hoje! Hoje, dorme qual bebé embalado no colo da mãe.
Os cortinados rendados ondulam, dançando com a brisa que entra pela janela, ao som do espanta espíritos tribal. Oriana também começa a dançar, a dança do frio, encolhendo-se para se aquecer.
Parece relutante em acordar do seu sono de menina e voltar a ser mulher. Mais uma dança, mais um arrepio ondulando-lhe o corpo. Acorda...
"Raios! Adormeci...", pragueija ensonada. Pega no telemóvel, vê as horas, outra praga, "Raios! Atrasada, estou atrasada...", levanta-se num salto e corre para o duche. É o mais célere que consegue, veste rapidamente a roupa que escolheu para aquela noite. Vai jantar algo oriental com ele.
Pronta, encara a porta, ansiosa pela sua chegada iminente.
Outra brisa dançante sobe-lhe a espinha, num arrepio violento, no instante em que alguém bate à porta: "Oriana..."
Diz-lhe que a porta está aberta. Fecha a janela e encara-o na sua perfeição, aquela que uma pessoa imperfeita tem aos olhos de quem a ama, dá-lhe um beijo. Pega na mala, agarra-lhe a mão, que ele aperta com carinho.
Outro arrepio. Olhando sobre o ombro, fita os cortinados joviais, desta feita inocentes.
"Oriana..."
E foi tudo o que o quarto viu e ouviu antes da porta se fechar...

Oriana...


Borrega


P.S.- "I walk beside you"
"This is a dedicatory song"


Casa


A cabeça doía-lhe. Exactamente acima dos olhos. Não conseguia chorar, mas a dor estava a tentar mudar isso. Agarrou-se ao telefone, marcou e desmarcou o número. Não era capaz de falar neste momento.
Saiu para a rua. Estava um dia bonito. Não havia nuvens e o sol aquecia. Andar para espairecer sabia-lhe sempre tão bem. Existia tanta gente que ela queria ali naquele momento com ela, e no entanto não queria ninguém. De tanta informação que absorveu em tantas estações, a sua cabeça estava à beira de rebentar. Aquela confusão de sentimentos era demais para ela só.
Um passeio no verde era algo que ela esperava desesperadamente que a acalmasse. Apenas o facto de andar e não pensar, de gritar sem qualquer ruído na imensidão duma floresta, apenas isso a fariam acreditar que sim, tudo iria correr bem.
As lágrimas que já à muito lhe secaram, mas que ela sentia na mesma, assemelhavam-se a pós que se elevavam acima da cabeça levadas pelo vento do Norte. O sentimento de conforto que há muito lhe abandonara os ombros, decaía nova e levemente sobre os ombros, fazendo-a sentir-se mais quente. A dor passou-lhe, sumiu como as lágrimas.
As pernas dirigiram-se, como que autónomas, para um sitio, um qualquer sítio familiar. O isolamento acabara. Necessitava da sua socialização familiar. Ele ainda estava a dormir, decerto. Ele devia estar ocupado. Ela a estudar. Ela em aulas. Ela atarefada em problemas. Ele a escrever. Ele dedilhava qualquer coisa.
Deu consigo a entrar num sítio escuro. Não literalmente. Estava bastante iluminado. Mas no mais recôndito da sua mente ela sabia que não era ali que devia estar. Obrigou-se a correr. Entrou de rompante.
‘Estou em casa’, sussurrou para ninguém.


Pulga

FiLhA*

"Don't call me daughter, not fit to
The picture kept will remind me
Don't call me daughter, not fit to
The picture kept will remind me
Don't call me..."

Borrega

Créditos:

Foto: Johnny Deep e a filha Isabella

Música: Pearl Jam - "Daughter"

maio 03, 2009

Nuvens & Tempestades

"I can't sleep tonight
Everybody saying everything's alright
Still I can't close my eyes
I'm seeing a tunnel at the end of all these lights"

Oriana está no quarto, largada sobre a cama, vencida pelas nuvens. O jovem poeta tinha razão, com o calor veêm as tempestades tropicais e sobre ela andam nuvens constantemente chorosas.
Sabe que não está só, que no quarto está outro alguém com ela, outra pessoa. No entanto, ela sente-se igualmente sozinha, como se fosse o contrário. Não há palavras trocadas, não há confidências segredadas. Não é pessoa de contar com os outros só para o mal, gosta de partilhar tudo, coisas boas, más e até futilidades e trivialidades. Mas não consegue, não se acha digna de importunar as pessoas com as seus desabafos se estas não lhe dão sinais de quererem ouvi-los e retribui-los...
"Não és importante, já sabes isso há muito Oriana.", repete para si, como um mantra para conter as lágrimas. "Algumas pessoas dizem-te o contrário, mas ainda não te provaram esse contrário... Não és importante!"
Naquele quarto está só, não porque não esteja lá mais ninguém, mas porque, largada sobre a cama, vencida pela tempestade, Oriana já nem gente se sente!


Oriana...



"Why does it always rain on me?
Is it because I lied when I was seventeen?"


Borrega





Créditos:
Música: Travis - "Why does it always rain on me?"

maio 02, 2009

Tardes... Chuva ou Sol... Leituras... Achados... Risos... Sempre e Para Sempre



Tardes sentadas na Bertrand, eu a ler para ti e tu para mim... Boas tardes, que espero se tornem hábito. Bons livros, uns verdadeiros achados... outros nem tanto... Tantas viagem apenas com folhas, palavras e voz...

Viajamos de novo pa semana??

Borrega



E ela estava sozinha naquela sala cheia de gente. E ninguém a via, e todos a pisavam... E ela continuava so entre as gentes, dando o seu silencioso grito por ajuda!





Borrega

maio 01, 2009

Laço Cego

"Oriana, Oriana, Oriana! Porque raio te havias de lembrar disso?", pensou.
Sempre que se lembra dói-lhe, tenta que isso não aconteça, mas é inevitável.
Ela, de joelhos sobre a cama, à beira dele, que está deitado de costas para ela, em posição fetal. Lembra-se tão bem do desespero de não lhe ver os olhos. Eles que a prendem e logo naquela altura em que estava a cair e precisava de segurança... Tentou voltá-lo para ela e ordenou-lhe suplicante "Olha para mim!", enquanto lhe erguia a cara de anjo. Os olhos dele estavam comprimidos, numa força parva para não abrirem, para não a olharem. "Não.", disse num suspiro sofrego. Uma dor lacinante trespassou-lhe o peito e ela largou-lhe a cara já em pranto e auto-abraçou-se. Lembra-se que achou que se ia desfazer em pedaços.
O seu anjo fraquejara, mas ela não se importava, doera muito na altura, agora era uma leve lembrança desconfortável, daqui a mais uns tempos seria inócua.
Sorri, agora sabe que foi um passo importante.
"Eramos um laço, bonito, mas frouxo no início. Com o tempo tornar-nos-emos um nó cego, também belo, mas muito mais resistente." diz a si mesma.
Suspira.
"Lembraste de cada coisa hoje! Oriana, a saudade faz mal, distrai-te!"
Outra memória, aquele quarto, de tantas noites, estava escuro como breu. Ela entrou calma, silenciosa, para o acordar de surpresa...
Do nada, a voz grave e doce susurrou "Oriana...". Foi para junto dele, que a apertou num abraço e disse "Nem abri os olhos, conheci-te pelo cheiro..."
Sim, o seu laço já está muito mais forte, já é quase nó, já é cego.

"Oriana..."

Borrega
P.S.- "This is a dedicatory song"
"I walk beside you"