Pés descalços, a beijarem aquele cheiro de chuva em tarde de Verão que ainda emanava do chão, Oriana dança em voluptuosas oscilações.
Antes o sol brilhava no céu e toda a dança era firme e decidida, era quente e colorida. Contudo, uma nuvem que passava, curiosa, parou para a ver e ali ficou. Então, a dança mudou, abrandou, até que os passos da moça cessaram.
- Porque me fazes isso? Porque me tapas a luz? - reclama Oriana.
Aí a nuvem chorou e, por entre as suas límpidas cascatas de lágrimas, respondeu:
- És tão linda, tão alegre, tão doce! A vida não é só sol, a vida é madrasta. Faço-o para que aprendas a dança das sombras, mais terra a terra, agridoce é certo, mas não menos linda. Porque à luz todos dançam, é preciso é saber fazê-lo no escuro.
Agora era Oriana que chorava…
- Fica, dançarei para ti. É o meu obrigado pelo aviso, pela devoção…
De olhos fechados, sentiu-se no fio da navalha, como se dançasse numa ponte muito estreita e estivesse perto de cair. Tinha medo, já não dançava para os tons dourados do fim de tarde, agora era a vez de dançar para os cinzas da vida. Percebeu depressa o que a nuvem lhe dissera, seria assim que ultrapassaria as eras taciturnas, dançaria.
Agora a dança era incerta, por vezes vacilante, como que decidindo o melhor passo, ainda era quente, continuava a vir-lhe da alma, mas já não era só colorida, mas também dorida, tornando-a assim realmente bela, realmente exuberante.
Aquele cheiro de terra molhada inundou-lhe o corpo, perfumou-lhe a alma.
De vez em quando, a nuvem lá chorava, feliz com tal oferenda. Até que o vento chegou, beijou os ouvidos a Oriana e esta quedou-se. Fora um beijo mais agridoce do que o costume, pois implicava a partida da sua nova amiga.
O vento, vendo-a parada e entristecida, sussurrou-lhe:
- Para haver sombra tem de haver luz. Por muito escuro que seja algo na vida, há sempre uma luz, daí ela ter querido que dançasses esta dança, a das sombras. Não deves dançar só para a luz ou só para o escuro. Ela agora tem de ir, fá-la partir feliz, faz-me a mim também feliz, dança!
Assim fez e, enquanto dançava para eles, ouviu espalhar-se pelo ar, num eco murmurado: “Obrigado, Oriana…”
Oriana...
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Créditos
Música: Eagles - "Hotel California"