maio 17, 2009

Preto/Branco

Larga o telemóvel, memorial de tempos idos, de juras antigas.
"Mais escura e num lado mais clara...", escrevera-lhe ele. Lembra-se perfeitamente daquela noite, depois de uma ida intimista à China, a despedida para as férias de Natal.
O sofá confortavelmente aproximado à lareira, ela com a cabeça no ombro de Telmo. Os braços dele envolviam-na, como as chamas faziam aos pedaços de madeira, condenados a cinzas.
Suspira, fazendo voar para longe as cinzas da lembrança.
"Estou dividida, como naquela noite, tenho dois lados, sou duas pessoas, mas, tal qual a dita noite, esses dois lados querem a mesma coisa: ele!", conta Oriana à almofada que abraça.
A almofada foi feita pela mãe, há muitos anos atrás, tem a forma de um coração e ela abraça a sua simbólica e inanimada confidente.
Prossegue: "Sou amiga dele, sei que ele está a passar uma fase difícil com tudo isto, que precisa que lhe afaguem os caracóis, que o apoiem e quero ser eu esse amparo. Sabes que sou protectora com quem gosto e não suporto saber que o Telmo sofre e não posso ir lá..."
Como que esperando um "Porquê?" vindo da sua amiga, parou para respirar um pouco.
"Não posso ir porque o meu outro lado é o de mulher, mulher que quer desesperadamente aquele homem que ali está. Controlo muito bem esse lado, não seria esse que lá estaria se eu o fosse apoiar, mas ele saberia que ele lá estava, amordaçado e recalcado, mas lá!"
O silêncio no quarto era apenas perturbado pelo som das árvores, lá fora, bailando com a brisa do fim de tarde.
Largos minutos mudos correram até que Oriana se separou um pouco da almofada e a encarou, como se ela lhe dissesse "Vai na mesma!".
"Não posso, mais do que apoio, ele precisa de espaço e tempo para ele mesmo!", concluiu e voltou a abraçar a sua ouvinte.
"Preto e branco, escuro e claro, sou como o yin yang. Tenho um principio activo e outro passivo, neste caso, o passivo (yin) tem de ser o meu lado de mulher, apesar de este partilhar a preocupação por ele com o activo (yang)!"

(...)


Fecha os olhos e sorri, sem saber bem porquê, lembra-se da conversa com o Filipe, amigo e apoio para a vida:
- Ele necessita do espaço dele, para experimentar as coisas dele e bater com a cabeça - disse-lhe.
- E se ele bater com a cabeça e voltar atrás? Onde estás tu? - indagou ele.
- Eu estou aqui, sabes bem que estou aqui e não arredo pé!

Oriana...


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