Lá estava ela, de joelhos ao peito, a cabeça tombada sobre eles, sentada no chão frio do seu quarto, carpindo, por entre soluços exasperados, as dores que guardava para si. As lágrimas, que raramente deixava alguém ver, escorriam-lhe pela cara, como um rio, desaguando-lhe salgadas na boca que parecia cosida com uma translúcida linha de orgulho deveras resistente. Por mais que quisesse contar, explicar ou pedir ajuda os orgulhosos pontos que lhe alinhavavam os doces lábios imaturos lembravam-lhe que tinha de seguir sozinha.
Era assim que estava, sozinha, somente ela, vergada sobre si, contra um canto escuro do quarto difusamente iluminado por uns poucos e afoitos raios de sol que tinham conseguido passar as portadas cerradas da janela.
Ergueu um pouco a cabeça e estancou as nascentes, pois tinha a face desconfortavelmente inundada naquelas tépidas gotas salobras. Inspirou profundamente e soltou um suspiro trémulo, amargo, longo e cansado. Esperou que os seus olhos se habituassem à acanhada iluminação e observou a divisão. Sentiu então os músculos da sua face, ainda dormentes pelo pranto que os alagara, mexerem-se, deixando na sua boca um esgar ironicamente sorridente pelo padrão que os afoitos raios desenhavam no chão... À sua frente estendia-se agora uma passadeira cujo único peão era ela mesma. As riscas brancas, a princípio quase coladas, tornavam-se cada vez mais apartadas pelas esmagadoras faixas negras. Escarneceu num sorriso tão desigual do seu que se assustou. Conteve então, com uma força tremenda, o choro que de novo ameaçava irromper impiedosamente.
A sua vida era cada vez mais assim, os momentos felizes assombrados pelas trevas dos problemas, os risos de genuína e jovial felicidade eram constantemente substituídos por momentos como aquele, os dias de pacífica calmaria escasseavam e a vontade de sucumbir ao caminho mais fácil era grande. Porque simplesmente não morria? Fechou os olhos e recostou a cabeça contra a parede gélida.
Aquele local é-lhe tremendamente familiar. No chão jaz alguém cuja vontade foi suplantada pelo medo. Alguém que vergou sobre si, pois o peso do desespero foi demasiado. Aquela rapariga, de quem sente uma repulsa inexplicável, é um farrapo tisnado numa divisão seminua como ela mesma está. Jaz banhada no tom escarlate, que antes lhe pulsava nas veias. A mão, ainda trémula, segura o punho reluzente duma adaga, agora manchada do sangue que nunca desejou.
O peito late-lhe desenfreadamente, sente-lhe a dor, cheira-lhe o medo, vê-lhe os espíritos vis que lhe turvam a mente. Há uma figura negra que se aproxima da pobre rapariga que se mantém imóvel, mas ela sente um calafrio atroz. A rapariga ergue-se sobre os joelhos, lança um olhar ao aposento e os seus olhos cruzam-se...
O latido desenfreado cessa e ela cai também sobre os joelhos. A rapariga é ela! E quando a mão da rapariga, a mão dela, toca na figura enlutada sente um frio descomunal, cortante, excruciante rasgar-lhe o âmago e, no segundo seguinte, cai num abismo.
Dói-lhe a cabeça, render-se ao sono custara-lhe, não só a agonia daquele estúpido pesadelo, como ter batido com a cabeça no chão. Volta a reclinar-se contra a parede, sabia que nunca vergaria àquela tacanha tentação. Nunca escolheria o caminho mais fácil!
Levanta-se e abre a janela, lá fora o sol caminha para o poente, mas naquele quarto a luz acaba de despontar, como o canto da Fénix que erguendo-se exuberante e decidida das cinzas está pronta para mais uma jornada.
Era assim que estava, sozinha, somente ela, vergada sobre si, contra um canto escuro do quarto difusamente iluminado por uns poucos e afoitos raios de sol que tinham conseguido passar as portadas cerradas da janela.
Ergueu um pouco a cabeça e estancou as nascentes, pois tinha a face desconfortavelmente inundada naquelas tépidas gotas salobras. Inspirou profundamente e soltou um suspiro trémulo, amargo, longo e cansado. Esperou que os seus olhos se habituassem à acanhada iluminação e observou a divisão. Sentiu então os músculos da sua face, ainda dormentes pelo pranto que os alagara, mexerem-se, deixando na sua boca um esgar ironicamente sorridente pelo padrão que os afoitos raios desenhavam no chão... À sua frente estendia-se agora uma passadeira cujo único peão era ela mesma. As riscas brancas, a princípio quase coladas, tornavam-se cada vez mais apartadas pelas esmagadoras faixas negras. Escarneceu num sorriso tão desigual do seu que se assustou. Conteve então, com uma força tremenda, o choro que de novo ameaçava irromper impiedosamente.
A sua vida era cada vez mais assim, os momentos felizes assombrados pelas trevas dos problemas, os risos de genuína e jovial felicidade eram constantemente substituídos por momentos como aquele, os dias de pacífica calmaria escasseavam e a vontade de sucumbir ao caminho mais fácil era grande. Porque simplesmente não morria? Fechou os olhos e recostou a cabeça contra a parede gélida.
Aquele local é-lhe tremendamente familiar. No chão jaz alguém cuja vontade foi suplantada pelo medo. Alguém que vergou sobre si, pois o peso do desespero foi demasiado. Aquela rapariga, de quem sente uma repulsa inexplicável, é um farrapo tisnado numa divisão seminua como ela mesma está. Jaz banhada no tom escarlate, que antes lhe pulsava nas veias. A mão, ainda trémula, segura o punho reluzente duma adaga, agora manchada do sangue que nunca desejou.
O peito late-lhe desenfreadamente, sente-lhe a dor, cheira-lhe o medo, vê-lhe os espíritos vis que lhe turvam a mente. Há uma figura negra que se aproxima da pobre rapariga que se mantém imóvel, mas ela sente um calafrio atroz. A rapariga ergue-se sobre os joelhos, lança um olhar ao aposento e os seus olhos cruzam-se...
O latido desenfreado cessa e ela cai também sobre os joelhos. A rapariga é ela! E quando a mão da rapariga, a mão dela, toca na figura enlutada sente um frio descomunal, cortante, excruciante rasgar-lhe o âmago e, no segundo seguinte, cai num abismo.
Dói-lhe a cabeça, render-se ao sono custara-lhe, não só a agonia daquele estúpido pesadelo, como ter batido com a cabeça no chão. Volta a reclinar-se contra a parede, sabia que nunca vergaria àquela tacanha tentação. Nunca escolheria o caminho mais fácil!
Levanta-se e abre a janela, lá fora o sol caminha para o poente, mas naquele quarto a luz acaba de despontar, como o canto da Fénix que erguendo-se exuberante e decidida das cinzas está pronta para mais uma jornada.
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P.S.- este texto é, a modos de que, o meu "calcanhar de Aquiles". É hoje publicado aqui depois da segunda reedição que lhe fiz depois do original. Deêm opiniões... Obrigado
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