fevereiro 27, 2009
"como um fósforo apagado e inútil"
Sono
Num desafio contra si mesma, deixou-se ficar na mesma posição. Fechando os olhos de vez em quando, para quando os abrisse ser bombardeada de recordações. Desistiu. Finalmente o corpo foi-lhe superior. Com o telemóvel com som esperou que o cansaço demora-se poucos segundos a mergulhá-la naquilo que esperava um sono profundo sem qualquer sonho.
Abriu os olhos… Estava apenas à uma hora a dormir, o que raio lhe podia ter acordado? Não ouvia barulho algum, o quarto estava silencioso. Toda a casa estava. Era estranho ter acordado assim, por si mesma, quando o seu corpo estava tão cansado…
Rebuscou pelo telemóvel em busca de esclarecer a sua ávida dúvida das horas, e aí encontrou a razão do seu despertar. Recebera uma mensagem, uma mensagem que esperara muito mais cedo… Rapidamente, com a habilidade garantida de muitos anos, respondeu. Esperava não mostrar que a tinham acordado. E numa fracção de segundo, relembrou as palavras de alguém, alguém que pintava um quadro de si que ela nunca pintaria. Fazia-la mais colorida, melhor pessoa do que realmente era, mas era alguém tão encantador e tão certo de suas palavras que ela não conseguiu desmentir.
Faziam-na corar quando lhe diziam aquelas coisas à sua frente. Sentia-se como qualquer atitude a partir daí, fizesse a pessoa tê-la em menor consideração.
A resposta chegou quase instantaneamente. Tentou sorrir, era suposto ser uma piada. Tentou responder-lhe no mesmo tom. A resposta que esperava não chegou, revolveu-se na cama, as pálpebras já não lhe pesavam, mas a mente transbordava e fazia uma enchente de boas memórias, memórias que ela queria repetir em breve e sabia que talvez não acontecesse…
E de repente, no fundo preto que tanto esperava, ouviu ‘uma baixa! Temos uma baixa!’. O sono finalmente a abatera, amanhã renasceria.
fevereiro 25, 2009
Pensar
É que o pensamento faz-me sonhar,
Mas também agoniar.
Agonio nas minhas dúvidas e incertezas
E, sobretudo, pelas coisas que penso ter certeza.
Quero parar de pensar,
Quero poder adormecer,
Mas aí a minha mente põe-se a divagar
E a 1001 pensamentos tecer.
Quero parar o pensamento,
No entanto, penso que já não vou a tempo.
Está entranhado em mim.
Nunca vi, quer dizer, pensei sentir algo assim.
Como posso querer parar,
Como posso odiar e repudiar
Algo que sei amar?
Quero matar uma parte de mim,
Não obstante, sei que não o consigo fazer,
Porque sem ela vou definhar até morrer.
Ela atormenta-me,
Deixa-me terrivelmente sóbria e consciente,
Deixa-me doente...
Por pensar, vejo o nosso fim degradante,
Mas também arquitecto uma solução mirabolante.
Na minha cabeça, isto tudo fervilha,
Numa lareira de pensamentos crepitantes
Com labaredas incessantes
E penso que dormir seria uma maravilha.
fevereiro 24, 2009
Baloiço
fevereiro 23, 2009
Canto
Era assim que estava, sozinha, somente ela, vergada sobre si, contra um canto escuro do quarto difusamente iluminado por uns poucos e afoitos raios de sol que tinham conseguido passar as portadas cerradas da janela.
Ergueu um pouco a cabeça e estancou as nascentes, pois tinha a face desconfortavelmente inundada naquelas tépidas gotas salobras. Inspirou profundamente e soltou um suspiro trémulo, amargo, longo e cansado. Esperou que os seus olhos se habituassem à acanhada iluminação e observou a divisão. Sentiu então os músculos da sua face, ainda dormentes pelo pranto que os alagara, mexerem-se, deixando na sua boca um esgar ironicamente sorridente pelo padrão que os afoitos raios desenhavam no chão... À sua frente estendia-se agora uma passadeira cujo único peão era ela mesma. As riscas brancas, a princípio quase coladas, tornavam-se cada vez mais apartadas pelas esmagadoras faixas negras. Escarneceu num sorriso tão desigual do seu que se assustou. Conteve então, com uma força tremenda, o choro que de novo ameaçava irromper impiedosamente.
A sua vida era cada vez mais assim, os momentos felizes assombrados pelas trevas dos problemas, os risos de genuína e jovial felicidade eram constantemente substituídos por momentos como aquele, os dias de pacífica calmaria escasseavam e a vontade de sucumbir ao caminho mais fácil era grande. Porque simplesmente não morria? Fechou os olhos e recostou a cabeça contra a parede gélida.
Aquele local é-lhe tremendamente familiar. No chão jaz alguém cuja vontade foi suplantada pelo medo. Alguém que vergou sobre si, pois o peso do desespero foi demasiado. Aquela rapariga, de quem sente uma repulsa inexplicável, é um farrapo tisnado numa divisão seminua como ela mesma está. Jaz banhada no tom escarlate, que antes lhe pulsava nas veias. A mão, ainda trémula, segura o punho reluzente duma adaga, agora manchada do sangue que nunca desejou.
O peito late-lhe desenfreadamente, sente-lhe a dor, cheira-lhe o medo, vê-lhe os espíritos vis que lhe turvam a mente. Há uma figura negra que se aproxima da pobre rapariga que se mantém imóvel, mas ela sente um calafrio atroz. A rapariga ergue-se sobre os joelhos, lança um olhar ao aposento e os seus olhos cruzam-se...
O latido desenfreado cessa e ela cai também sobre os joelhos. A rapariga é ela! E quando a mão da rapariga, a mão dela, toca na figura enlutada sente um frio descomunal, cortante, excruciante rasgar-lhe o âmago e, no segundo seguinte, cai num abismo.
Dói-lhe a cabeça, render-se ao sono custara-lhe, não só a agonia daquele estúpido pesadelo, como ter batido com a cabeça no chão. Volta a reclinar-se contra a parede, sabia que nunca vergaria àquela tacanha tentação. Nunca escolheria o caminho mais fácil!
Levanta-se e abre a janela, lá fora o sol caminha para o poente, mas naquele quarto a luz acaba de despontar, como o canto da Fénix que erguendo-se exuberante e decidida das cinzas está pronta para mais uma jornada.
fevereiro 22, 2009
Colo
As pessoas em nosso redor deverão ter pensado: ‘Ena que saudades!’ ou até ‘Que bebedeira!’. Mas como eu gosto que me peguem ao colo! Sentir por uma fracção de segundo que estou a flutuar, sentir por apenas não mais que um segundo que o meu bem-estar depende das duas mãos que me erguem, tudo isto antes de entrelaçar as pernas no seu tronco, e aí, com as pernas entrelaçadas, entre risos e giros, sinto-me segura, como quando era pequena e trepava pelas pernas do meu pai e onde nada me podia magoar. E junto daquele tronco e daquelas mãos o meu mundo é perfeito.
E depois acaba aquele efémero momento, a insegurança abate-se sobre os meus ombros, e a dor dum mundo imperfeito regressa em força aonde pertence. Continuo a sorrir, afinal a dor que desde pequena que lido com ela. Não se tornou mais fraca, apenas mais fácil de suportar, mas no fim de contas, ontem pegaram-me ao colo…
fevereiro 21, 2009
Ego
Hoje vesti-me normalmente, vou ter com a minha irmã à cidade, ver as fotos de um dia que me foi especial, em que me diverti muito: a minha latada (um dos benefícios da praxe, de uma boa praxe). Estou a agir de uma forma algo extravagante para o que me é habitual, já repeti umas quantas vezes que tenho o ego nos píncaros. Devia, mas não tenho! Digo-o porque eles estão felizes e não quero ser a maçã podre no cesto, digo-o porque devia tê-lo mesmo lá, nos píncaros, digo-o para enterrar as lágrimas da noite passada.
O sol vai aquecendo o meu corpo que ontem chorava, vou pensando uma vez mais porque choro quando tudo me sorri. Tudo isto ao som do burburinho dos meus colegas e do murmurar da aula discursada pelo professor, que dança à minha frente com a sua sombra. As folhas caem, uma a uma, em debandada, das copas amarelas e avermelhadas das árvores, para rolar no chão.
Estou aqui de alma e coração, então porque me parece que, agora que mais preciso, a minha capacidade de abnegação e sacrifício diminuiu?
Não vou voltar às perguntas do meu registo anterior, não quero. A minha parte racional berra, esguela-se, tentando que eu entenda que estou feliz! Ela está um pouco ressentida comigo, porque agora já não exijo que ela domine as minhas acções. Acho que quando o fazia chorava menos, contudo recalcava mais, tranquei coisas demais dentro de mim. Agora ando sensível demais para o gosto dela. Não amoleci, não sou mais fraca do que antes. A resposta é óbvia, continuo com o mesmo medo de desiludir quem gosto, com a mesma pretensão estúpida a ser a “super-mulher”, só que agora gosto de mais pessoas, e gosto a sério. E lá está outra vez o meu extremismo! Dou tudo ou não dou nada, essa sou eu.
Continuo ao sol, eles continuam o burburinho, ele o murmúrio e eu acabo o meu desabafo. Hei-de caminhar decidida até à minha irmã, a minha irmã do peito, para a vida, e vou sorrir.
E sim, hoje o meu ego está nos píncaros!
fevereiro 20, 2009
Revolutionary Road
Um dia acordas e já tens trinta, uma casa, casaste, tens filhos com a pessoa que amavas. Essa pessoa que amavas mudou com os anos, já não é a mesma que te fazia sonhar, como não previste essa mudança, como nem deste por ela, já não a amas.
Um dia acordas, olhas para trás e percebes que para além da casa, dos filhos e dessa pessoa, não tens nada, não fizeste realmente nada. Porque não era essa a casa que querias, não era casar que pretendias... Querias mudar o mundo, mas no final foram as normas socias que te mudaram e agora brincas às casinhas.
Um dia acordas e percebes tudo isso e já não consegues mudar o que se passou. Percebes que nunca se deve abrir mão do que se acredita, ainda que acredites em algo utópico, porque não há nenhuma norma social que te diga que tens que deixar para trás os sonhos de criança para cresceres.
Um dia acordas com força suficiente e voltas atrás...
Nesse dia, se não for tarde demais, voltas a sentir-te alguém completo.
Borrega
Florbela Espanca - Eu
"Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!"
Mal vi esta imagem foi do que me lembrei. Florbela Espanca, dor em forma de mulher, minha droga nos momentos tristes, pois de todos os caminhos que escolho cada um me magoa mais que o anterior.
Conclusão: há quem não saiba ser feliz!
Borrega
fevereiro 19, 2009
Não gosto de loiros...
Este "Meias Desemparelhadas" é a paga duma dívida que tenho para com a minha s'amesa e colega de blog: A lista dos loiros da minha vida!
(Volto a relembrar que não gosto de loiros!)
1 - Kurt Cobain (Nirvana)
2 - Yuu Matsuura (Marmalade Boy)
3 - Martin (o meu cão, que já faleceu)
4 - Pereira (47)
5 - Sô Bruno (grande motorista!)
6 - Uzumaki Naruto
7 - Parvalhão
8 - Songoku (quando esta em super guerreiro xD)
Acho que não falta ninguém... Ahh, sim:
9 - PadrinhÓ (o Nuno é meio aloirado)
Já vos disse que não gosto de loiros?!?
pequena marca...
Trinta dias e um punhado de post's depois, este bebé, fruto de um parto não muito complicado, mas muito longo com certeza (planeado desde o 12º, certo Pulga?), faz 1 mês...
Parabéns ao nosso Zoo!!!!
Sim, este tipo de coisas de celebrar datas é extremamente feminino e quase atípico em mim, mas que se há-de fazer, no fim de contas, por muito que fuja, sou uma mulher. Por isso, resolvi ceder ao instinto feminino e um pouco parolo, diga-se de passagem, de fazer este post!!!!
Obrigado a todos os que já nos visitaram, a todos os que comentaram...
fevereiro 18, 2009
carta a Alguém
Noite(s)
Ele e ela, os dois deitados, os corpos perfeitamente encaixados, ela tão pequena perto dele, protegida pelo seu gigante abraço. Uma concha perfeita.
Ele, mesmo num sono sereno e pesado, aquecia-a, sempre friorenta, naquele protector abraço, naquela cama de tantas outras noites.
Ela está agitada, vejo-lhe nos olhos que algo a incomoda. Ela sonha e no sonho dela há um piano gemendo uma sinfonia perfeita, tocado por doloridos dedos. Esse sonho, é ele que a atormenta, que a está a por agitada. Por muito perfeita que a sinfonia seja, transmite a dor daqueles dedos doloridos, que são, de alguma forma, os dela. É isso que a está a por agitada.
Em resposta a este burburinho interior, o seu corpo encolhe-se e contrai-se contra o dele, procurando ainda mais refúgio nos braços dele.
E a sinfonia abrandou e ela finalmente serenou naqueles braços quentes.
Os meus braços apertaram-se contra o peito, tentativa frustrada de aplacar um arrepio desconcertante. É um movimento vão, sou quase como os répteis, incapaz de regular a minha temperatura sozinha.
De novo o arrepio e a imagem dele e dela, naquela cama, dos braços dele, de todo o seu corpo aquecendo o dela.
Tenho saudades dele e dela, nós, abraçados na cama.
fevereiro 16, 2009
Realidade ficcionada
‘Convenceram-me com um sorriso. Fui com ele, parecia-me alguém familiar, alguém de confiança.
Assim que estive mais perto, ele começou-se a aproximar com um excesso de confiança, que eu desconhecia, ninguém tinha essa confiança para comigo. Eu não deixava.’ Interrompeu-se para lhe olhar nos olhos como o que se seguisse fosse o que realmente importava. ‘Começou por pôr as mãos na minha perna. E começou a aproximar-se de sítios mais íntimos. As mãos subiam-me pela barriga. Aproximaram-se do peito. Mantive o sangue frio, a cabeça fresca e consegui afastá-lo. Preguei-lhe uma mentira e saí do carro. Porque é que não dei ouvidos quando me disseram que não devia aceitar boleia de estranhos? Ele ia-me atacar e eu não iria conseguir-me defender.’
Ela apenas sorriu. As marcas não se viam, ela apenas sentia. Aquilo era tão irreal, que ele não conseguia crer que era o mundo em que vivia. Afinal aquilo não acontecia a eles, acontecia aos outros, não a eles. Então apenas fixaram aquele triste sorriso.
Oca
Inspiração.
Há muito tempo que já não sei o que isso é!
A minha inspiração não sei o que é, mas sei que há muito que não corre nas minhas veias, que há muito que não me as queima e me deixa em dor.
Tenho saudades daquela ansia, daquela fluidez de escrita, ainda que sem grande nexo.
Agora não sinto dor. Não sinto quase nada, não escrevo.
Mais uma vez, a dor. Lembro-me daquela vez, deitada no escuro, ainda tinha 17, doia tanto, tanto, mas quando acabou, o alívio, a leveza, o cansaço e a satisfação de a ter sentido, à inspiração.
Sinto-me oca.
Preferia quando doía, como me doeu naquela noite.
Já não me dói há muito.
Sinto tanta coisa e não te sinto a ti, a queimar nas veias, para me dizer que não morri...
Alguém ou alguma coisa, o que quer que seja, que me abra a torneira e acabe com isto, por favor!
fevereiro 15, 2009
Feliz Homicídio
Tentaste enganar-me
Marcaste-me como inocente
Tramei-te na morte
Foi um incidente
Estavas à beira-rio
Queixei-me com frio
Correste para me abraçar
Pensei que me viesses esganar
Lixei-te meu amor
Atirei para acertar
Tinha de te bater na testa
Quase que fiz uma festa
Agora estás estendido
Algures, ao comprido
Falaste em fazer
Eu agi sem querer
Deixa-te estar, que eu estou bem
Um dia novo aí vem
Quando me levantar
Da memória te vou tirar
Foste tempo perdido
Amor não correspondido
Gerigonça atrapalhada
Horror às carradas!
fevereiro 14, 2009
Pipocas e Pecados
Hoje matei muitas saudades. Meses se passaram desde a ultima vez que estivemos assim, e já quase não me lembro, mas hoje matei.
Cobicei as pipocas no colo dela. Cobicei a coca-cola. Cobicei apenas por cobiçar. E soube-me bem. Estava viva.
Ri-me como não me ria à muito. Ri-me como louca. Ri-me simplesmente por me rir. Ri-me e não precisaram de me cobrir ou encobrir. Hoje juntei pipocas e pecados, hoje não foi um dia a que sobrevivi, mas sim que vivi. Mas hoje não estávamos completas, não éramos o trio maravilha, nem o quinteto fantástico… Por isso, anseio quase ansiosamente pelo próximo pecado açucarado.
fevereiro 13, 2009
Interrogações numa folha
Ando cansada e, às vezes, no meio de tanta gente, sinto-me só.
Mas, já antes não era assim que me sentia? Tento explicar a minha inexplicável tristeza e abatimento. Não consigo, os sucessivos “Estás bem?” e “O que foi?” frustram-me. Preocupam-se comigo e eu não mereço e eu não quero que o façam.
No edifício cor-de-rosa, as capas negras deambulam pelos corredores amarelos, todas me integram, no entanto há umas quantas que começo a gostar de uma maneira muito enraizada... É isso que quero, reforçar as raízes nesta terra.
Então porque estou triste e finjo que não estou?
Então porque deambulo cabisbaixa pela cidade que me sorri?
Então porque sou tonta ao ponto de escrever perguntas sem resposta numa folha?
Talvez a resposta seja simples. Talvez, ao contrário do que as pessoas afirmam, eu esteja certa, eu ando assim porque não sei e não mereço ser feliz...
fevereiro 11, 2009
Azul vs. Negro
Ouço, ao longe, o som do chuveiro, a água a correr, o vapor desta, quase fervente, rodeia e envolve o meu corpo desnudo, que está há muito esquecido debaixo dela. Aterro... Volto a ouvir e a ver tudo nítido, a minha alma retorna também, e, com um suspiro, percebo que por mais tempo que ali esteja debaixo, por mais quente que a água esteja, ela não me vai conseguir lavar a mágoa que me mancha o peito ou a amargura que me azeda a vida.
Lembro-me dele... Dá-me um calafrio... Fecho a torneira, espremo o cabelo, seco-me e penteio-me. Já no quarto, visto o meu pijama e, com o incenso já queimando, deito-me na minha cama. As imagens passam como um flash na minha cabeça. Sei que vou ter saudades do toque e do timbre grave da sua voz, de como me sinto com ele por perto, de como me perco no azul calmo e terno dos seus olhos. Abro os olhos por um instante e com eles busco a garrafa de água. Por sorte está ao meu alcance, porque estou tão mole e pachorrenta que, e apesar de estar sequiosa por um gole de água, não me levantaria para ir buscá-la. Pego-lhe, bebo e volto ao meu transe meditacional.
Volto a todas aquelas imagens, pedaços dos momentos que tive e que me deixam a face carmim e o peito rubro. Mas, do nada, surge um fundo negro e nele se desenha, letra a letra, a palavra: Efemeridade. Aproximo-me dele a passos largos, que ecoam pelo corredor mental de imagens onde estou, e reconheço-o então como sendo um quadro de ardósia.
Ele mostra, apesar da sua simplicidade, muitas coisas sobre mim. O mundo, há muito que o descobri, não é um conto de fadas e muito menos cor de rosa. Ele é preto e branco, tal qual a palavra alva no sombrio quadro de ardósia. Aquela alva palavra que tanto me atemoriza e me atormenta os pensamentos. Tudo é efémero, a felicidade, a tristeza, a saúde, a inspiração, as pessoas. O pior é quando estas pessoas são as que amamos, aquelas que temos como certas até à eternidade e que são o nosso amparo para não sucumbirmos às tentações cobardes dos momentos taciturnos e perniciosos.
Naquele quadro negro está reflectido o medo que tenho de ficar só, de acabar tão azeda como um limão verde, de não ter coragem suficiente para amar e me entregar de corpo e alma a alguém e sobretudo o medo que tenho dela, da mulher de negro. Não quero que ela me leve quem amo, nem que me leve antes de eu ter quebrado os meus medos e vivido realmente.
“Tudo é efémero e se há-de findar mais tarde ou mais cedo.” – diz uma tenebrosa e pútrida voz. Sem mais nem menos, vejo brotar da ardósia um vulto negro que estende a sua mão em direcção a mim, enquanto repete arrastadamente e sem parar aquela frase. Começo a correr de novo pelo corredor, desta vez, para além dos meus passos, ecoa também o som de correntes a arrastar. Olho sobre o ombro, ela aproxima-se, é ágil, veloz e tão ligeira. Como o conseguirá com todas aquelas correntes? Não é altura para curiosidades, penso, está quase a apoderar-se de mim... Tropeço, caio... Ela está em cima de mim... Sinto-me desvanecer, ela quer tirar-me a alma. Não o posso permitir, começo a espernear incessantemente, atingindo--a de todas as formas que posso, mas parece não a magoar nem um pouco.
Abro os olhos de rompante, ela já não está debruçada sobre mim. Está escuro e estou suada e trémula, mas a salvo no meu quarto. Palpo a mesa-de-cabeceira procurando pelo telemóvel. Finalmente acende-se a pequena luz do visor, são 5 da manhã. Respiro fundo e recomponho-me, tudo não passou de um pesadelo, de um devaneio da minha alma inquieta. Vou à casa de banho lavo a cara e bebo um pouco de água. Regresso ao meu leito, o incenso há muito que se consumiu mas o seu cheiro apaziguador continua a impregnar o quarto. Aconchego-me, sei que agora será difícil adormecer outra vez. Embora as minhas pálpebras estejam deveras cansadas tenho medo de voltar a fechar os olhos. Mas acabo por ceder ao seu gritante e sôfrego apelo, fechando-as. Revejo aqueles olhos doces, tão azuis. Faltam apenas algumas horas para os voltar a ver... E é aninhando-me neles que enfim me deixo dormir.
A Preto e Branco
O mundo a preto e branco era tudo o que ela desejava cada vez que pensava nele. Não existir um dos dias. Começava sempre a pensar pelo último, como não lhe doera na altura, como sorrira de forma pura. Num mundo a preto e branco, nunca lhe doeria, melhor, nunca teria confraternizado sequer, com ele.
Depois passava para o primeiro dia, como estava feliz. Como estava impulsiva. Como sorria da mais natural forma de sorrir. Num mundo a preto e branco, esse dia não teria acabado aí. Ela teria tido o seu ‘feliz para sempre’ ao lado dele.
E as lágrimas escorriam de forma mais contínua. Era mesmo isso que ela queria? Um mundo a preto em branco, em que tudo fosse tão simples? Em que o tudo fosse ou não fosse? E o que seria feito dela? Desapareceria, simplesmente? Não, ela não queria desaparecer. Mesmo sendo e não sendo preferia ser uma mancha cinzenta no meio de tantas outras, com um pequeno borrão que alastrava quando ela pensava nele.
Ergueu-se, secou as lágrimas com a manga do casaco e seguiu o seu caminho. Estava atrasada para o seu encontro com a escolha colorida que fizera.
fevereiro 10, 2009
Sentir falta de ser naive...
divagando por citações...
And indian say: «Nothing at all!»"
Jim Morrison
É assim que estou, sem saber porque morrer e já dizia Luther King: "If a man hasn't discovered something that he will die for, he isn't fit to live." .
Nada me inspira, nada me motiva, sinto que a cada momento perco a força bruta que antes sentia cá dentro. Até sangrar servia, desde que eu acordasse deste marasmo criativo, desta não vontade.
Onde está a rapariga que lutava com unhas e dentes pelo que queria? É que já não é ela que vejo no reflexo do espelho. Onde é que a perdi? Deve ter sido quando me acomodei, lutar dói demais. Agora sei que mais valia sentir aquela dor, assim sabia que estava viva, acho que até sabia pelo que morria.
"I'm a man in search of a vision." (Antonio Banderas, in "A máscara de Zorro")
Apetecia-me ver outra vez.
Vila Real
É cedo, mas o nevoeiro é já apenas um vestígio, está certa que o sol vai brilhar no céu.
De olhos vagos, na mão segura uma camomila quente, o seu vapor turva-lhe o rosto. Leva-a à boca e dá-lhe um trago. Não gosta de despedidas, e muito menos quando se trata de se despedir do 3ºD no lote 8 da Rua de Macau. É que, apesar de não saber se tem esse direito, desde o verão passado, chama-o também de seu. Ecoam-lhe aos ouvidos os risos, as conversas, vê, com um sorriso nos lábios, as muitas fotos tiradas, as brincadeiras no meio da rua.
Dá mais um longo e pachorrento golo na camomila e suspira. Vai ter saudades do jardim, antes verde, agora ainda em tons outonais, dos passos sobre a ponte ao som murmurado do rio, das noitadas na “Além Rio” e ali, no 3ºD, dos doces, dos passeios e até de, “enlatada” com os amigos no banco de trás do carro, ir ao Pioledo, depois a “sua” cascata e, por fim, subirem até à Senhora da Graça... Sabe que vai ser assim, é a terceira vez que se despede, já começa a ficar acostumada aquela sensação.
Vila Real é simplesmente... Vila Real! Talvez pareça exagero, mas esta cidade, que as serras contemplam, cruzou-se com ela numa altura macambúzia, e fê-la sorrir... Arrancou-lhe um genuíno sorriso de criança, daqueles que não dava há muito, por isso tornou-se sua, uma parte de quem é.
Volta a levar a camomila aos lábios, dá-lhe, decidida, o trago final, vira costas à janela e encara a cozinha pousando a caneca na mesa. Está na hora de ir lá fora retribuir o sorriso (embora um pouco agridoce pela partida, mas enfim) e dizer: “Até já!!!”.
fevereiro 09, 2009
Banco de jardim
Pronto, estou aqui, mais uma vez, semi-deitada no banco do meu jardim. À minha esquerda está uma das enormes pinheiras, com quem moro desde que me lembro, já as trepei tantas e tantas vezes... E, a seguir a ela, depois do corredor de alcatrão, onde vão passando os carros em grande azáfama, estende-se um campo verde. Hoje não, mas noutros dias estão lá, pastando alegremente, as ovelhas do vizinho.
Para quem passa e repara em mim, devo ser a menina do banco. Venho para aqui muitas vezes, conversar com o sol, a pinheira, as laranjeiras, que se alinham à minha frente, ouvir o canto dos pássaros que se mistura com o inconfundível arrulhar dos pombos, os latidos dos meus cães e, claro, o “zum zum” dos carros. Consigo aqui estar horas, acompanhada apenas por eles, sem pessoas...
É normal que quem nota que eu ali estou me veja, entre outras coisas, a ler ou escrever. Conto histórias a todos os meus amigos que se juntam em torno do banco, ou então invento-as, num pedaço de papel, ao som das suas vozes.
Na varanda da minha casa está um banco a contemplar o jardim. Ele é de metal, com formas encaracoladas nas costas e braços e o seu tom branco foi envelhecendo com o passar do tempo. Mas, apesar de velho e frio, é nele que me podem encontrar nos dias em que o sol brilha feliz no céu.
Ao meu banco, para que todos saibam como me orgulho de ser a sua menina!
fevereiro 08, 2009
Metropolitano
Rotina
Todos os dias cumprimenta dezenas de pessoas, metade nem as conhece, e essas apenas se deixam encantar pelo sorrisinho.
Hoje não escapou à rotina. Acordou e seguiu a vida. A meio do dia recordou-se da sua promessa. Sorriu novamente, reagiu espontaneamente, falou abertamente. E as horas passavam-lhe.
Cumpriu a rotina que lhe competia e regressou ao seu lar. Aí desabou. ‘Mais uma promessa incompleta’ apenas sussurrou.
Enquanto sorria, via gente a sofrer, mal ela sabia que essa gente sofria por ela estar a sofrer.
Não reagia com a espontaneidade dela, mas de alguém.
Enquanto falava, falava apenas de coisas supérfluas.
E quando cumprida a rotina, quando de volta a casa, não lhe havia razão para ser feliz. Apenas tristezas, e a esperança de que amanhã finalmente conseguisse cumprir a promessa feita durante anos e nunca cumprida.
fevereiro 01, 2009
Lembranças
Hoje, desci aquelas escadas e tive saudades, tenho saudades tuas.
Sabes, quando desci aquelas escadas havia um música na minha cabeça, a música que sempre associo aquela noite, há meses atrás. Aquela música que nos fez balançar, abraçados, enquanto nos decidiamos a dizer adeus. Lembro-me que me perguntaste se estavamos a dançar, algo do género, não me lembro do que te respondi. Sei que te apertei com os meus pequenos braços e continuamos a balançar ao som daquela música que saia pela frecha da porta, iluminando o corredor onde estavamos. Os meus beijos eram salgados, foi o que disseste.
Hoje, desci aquelas escadas, tenho saudades, agora já nem sei a que sabem os meus lábios...