16 Horas, malditos transeuntes, entupiam tudo o que era entradas e saídas do metro! Para passar o bilhete foi um castigo e já se estava a ver a cruzar aquelas portas de plástico como outros rapazes, a quem não lhes apetecia pagar o bilhete! Finalmente, entrou no metro levada por uma maré de gente e, sem perceber muito bem como, conseguiu sentar-se. De repente, sentiu alguém ao seu lado... Bolas! Uma grávida. Levantou-se educadamente e cedeu-lhe o lugar (um pouco contrariada como seria de esperar). Encostou-se a um banco onde se agarrou. Sentia o calor de outra pessoa a seu lado, respiravam-lhe em cima, tocavam-lhe, apalpavam-na, e todo aquele calor parecia-lhe impossível de aguentar!!
Apenas lhe ocorriam as palavras de uma amiga com quem tinha acabado de se encontrar: "Ainda vai ser no meio de uma multidão que vais encontrar o amor da tua vida!". Parvoíces! Como tudo o que ela dizia de conselhos!! Podia ser muito boa amiga, mas quando dava conselhos era a pior pessoa a quem recorrer.
Sentiu-se outra vez embalada na multidão para sair do metro. Ficou para trás, como se estivesse à espera que um simpático e esbelto rapaz, de camisa impecável e com uma flor na mão, brilhasse no meio da multidão suada e se deslocasse em direcção a ela, tal como se vê nos filmes e novelas, quando o protagonista, por mais balbúrdias que tenha passado, continua sempre impecável com a florzinha na mão que nunca se sabe de onde esta veio... Em vez disso, apenas um homem de negócios rude, com o telemóvel na mão, a empurrou para fora do metro.
Era incrível a sua ingenuidade para acreditar nas coisas que aquela sua colega dizia. Saiu do metro e foi para o centro comercial, esperava que aí arranjasse o sossego merecido, mas achou exactamente o oposto, era o caos, a desordem, a barafunda, a desorganização, a indisciplina, o pandemónio, a bagunça... Era tudo aquilo de que ela tentara fugir...
Avançou, e por vários desvios habilmente executados, quase dignos de uma bailarina de ballet, deu um encontrão em alguém, os seus olhares cruzaram-se, ela sorriu e ele foi atrás. Eram impressionantes as semelhanças que ele tinha com o rapaz que ela imaginara no metro, e tinha mesmo aquele sorriso que ela imaginara e quase parecia brilhar, apesar do mau tempo que inundava as ruas lá fora e as nuvens pretas que sobrevoavam a clarabóia do centro comercial, o tempo parecia parado tal e qual como num filme.
Outro encontrão fê-la despertar, não havia nenhum rapaz, fora outra vez levada pela sua imaginação...
Sem saber bem como, estava de volta ao seu apartamento, localizado exactamente no centro da cidade, simples como sempre gostar... Não gostava de exageros, sentia-se demasiado apertada, quase claustrofóbica. Examinou os armários em busca de algo, que não sabia bem o quê, dado que não o encontrava, decidiu ir tomar um banho para clarear as ideias. Mesmo quando se estava a embrulhar na toalha, alguém lhe tocou à campainha, correu a ir abrir a porta, com esperança que fosse alguém importante, afinal era só um estafeta que transportava uma pesada encomenda. Pousou o peso e ela assinou a pranchinha, mesmo em frente à cruzinha, perfeitamente desenhada, quando lha devolveu viu os seus olhos, de um verde marinho onde quase se perdeu. O estafeta recordava-lhe alguém, mas não lhe apeteceu fazer esforço algum para recordar. O rapaz levantou a pesada encomenda para lhe facilitar o esforço e, quando ela a ia aceitar, tocou, ou pelo menos pareceu-lhe, ao de leve na mão dele, ele esfumou-se no ar.
Sentindo-se com alucinações, regressou para dentro de casa, fechando a porta atrás de si. Dirigiu-se ao seu quarto, com intenções de se deitar, para relaxar daqueles encontros de terceiro grau que tinha sentido... De repente, lembrou-se de onde conhecia aqueles olhos naquela pele morena, pertencia ao mesmo rapaz a quem dera o encontrão no centro comercial, aquele que lhe aparecera à porta do metro com a flor na mão... Tinha sido outra partida da sua imaginação, mas ele parecia tão real.
Adormeceu. Estava deitada ao lado do rapaz que lhe surgira três vezes, com uma pele tão macia que não conseguia descolar-se dele. Parecia-lhe que tinham emaranhado as pernas com os sentimentos, e estavam ambos entrelaçados como um puzzle de duas peças, que encaixavam na perfeição. Era uma posição que agradava aos dois, e por ela ficariam assim para sempre. No dia seguinte, mudou radicalmente a sua aparência, de maneira a que o surpreendesse. Quando ia a voltar para casa, passou a uma passadeira depois de confirmar que o sinal estava verde e que não vinha carro nenhum. De repente, vindo de sítio algum, um carro a alta velocidade surgiu sem lhe dar tempo de reacção e pouco depois ali estava ela, estatelada no meio da estrada, de braços abertos, joelhos semi-dobrados, como se vê nos desenhos a giz, no meio da estrada, quando ocorre um crime que a polícia está a investigar.
Acordou. Mas quem era o misterioso rapaz que lhe ocupava a cabeça mesmo nos seus sonhos?! Estava na exacta posição, tal como acabara o seu sonho, mas por baixo do seu braço sentia algo quente e macio. Devia ser algum cobertor enrolado, pensou, mas acabou por verificar que era impossível, dado que tinha adormecido em cima da colcha, não tendo aberto a cama. 'É o cão', voltou a pensar, mas ocorreu-lhe, numa fracção de segundo, que não tinha cão, dado que as regras do apartamento não o permitiam. Um pouco a medo, olhou. O que viu não a podia deixar mais admirada. O rapaz que ocupava os seus pensamentos estava ali, mas já não era um rapaz, estava mais velho. Tocou-lhe várias vezes, para confirmar que ele não desaparecia. Sentou-se na cama e olhou em redor, não estava só com o rapaz na cama, também tinha pequeno-almoço com um café e uma torrada, tal como gostava antes de sair para o trabalho, mas também tinha uma flor, tal e qual aquela que vira à porta do metro na mão dele, e tinha um bilhete. Abriu-o com curiosidade e com rapidez, leu-o. Aquilo que lá viu escrito não lhe parecia fazer sentido. Ouviu uns gritos ingénuos, seguidos de uns risos contagiantes, tais como os duma criança. Releu o bilhete: "BOM DIA, MÃE!"
- Corta! - Ouviu-se uma voz estranha.
Quase como um impulso ela saltou da cama, ainda confusa. Seguiu a voz e reparou que o seu apartamento, no centro da cidade, não passava de quatro cartazes grandes dentro de um grande armazém escuro, onde vários holofotes apontavam para a casa. O rapaz que estava deitado levantou-se, vestiu-se e desapareceu-lhe pela quinta vez. Ela desfaleceu numa cadeira, olhando para aquilo que acreditava mesmo ser a sua vida. Sentiu-se falsa, despedaçada, rasgada, usada e deitada fora. E foi assim que ali ficou.
Pulga
1 rugidos:
Simplesmente... Fantastico! É um dos melhores textos, pela consitencia e pelo enrredo que tem... pela realidade incutida nele...
Deviam de eleger este como o blog do ano!
Parabéns!
Beijo
Joana
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